São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 1996
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Como se empina um balão

LUÍS NASSIF

A procuradora Luiza Nagib Eluf tem uma vocação rara no país: é especialista em cidadania. Durante 11 anos exerceu essa função em São Paulo e coube-lhe, por mérito, a indicação para a Secretaria Nacional de Cidadania, ligada ao Ministério da Justiça.
No primeiro ano, só teve trabalho, já que a secretaria nem existia na época em que foi votado o orçamento em 1995. No segundo ano haveria trabalho e verbas -disponíveis principalmente para a promoção da cidadania no nordeste.
E aí a procuradora Luiza Eluf pôde entender (mas não completamente) o jogo que cerca o poder e que envolve, muitas vezes, jornalistas e fontes.
Rigorosa nos seus procedimentos funcionais, a procuradora se viu alvo de uma batalha de balões de ensaio. A intenção era simples: afastá-la, abrindo lugar para pessoas próximas aos autores da manobra.
O primeiro petardo contra a procuradora saiu em uma coluna social do Rio, useira e vezeira em empinar balões. Dizia que ela seria demitida porque teria ido fazer turismo na China às expensas do Tesouro. De nada adiantou a procuradora explicar que tinha ido em viagem oficial, representando a primeira-dama. As explicações nem foram publicadas.
Constatando estar no meio de um tiroteio -embora não conseguisse identificar os autores do disparo- a procuradora tratou de cercar-se de mais cuidados ainda. Só viajava a serviço depois de estar de posse de todo o papelório burocrático, referendando a viagem.
Em vão. A cada nova viagem sobrava-lhe um novo petardo, disparado dos mesmos locais, e publicado nos mesmos espaços. De nada adiantava explicar-se, mostrar os documentos, apresentar os motivos da viagem, as xerox das autorizações publicadas no "Diário Oficial".
A pedido
A procuradora que trabalha mais de dez horas por dia, que se especializou em cidadania e não abria espaço para politicagem em sua agenda, que deixara a família em São Paulo para poder dedicar-se a um trabalho público, perdeu a paciência. Principalmente depois que descobriu que, a exemplo de tantos homens que empolgam o poder, dos mais sábios aos mais vesgos, o seu ministro da Justiça não é de expor-se em defesa de ninguém.
Sentindo que Brasília não é o melhor lugar para quem está disposta a trabalhar desinteressadamente pelo bem público, a secretária Luiza Eluf pediu demissão. Os mesmos repórteres que passaram todo o tempo empinando os balões a procuraram para a derradeira entrevista. A secretária informou que lessem atentamente o "Diário Oficial", para conferir que estava sendo demitida a pedido.
Não foi perdoada nem na hora da morte. A nota do jornal informava sua demissão, obviamente devido aos relevantes serviços públicos prestados pelos jornalistas ao país, ao "denunciar" as viagens que a secretaria fazia a serviço.
Em seu lugar assumiu uma pessoa especializada em biblioteconomia, provavelmente ligada ao esquema político do ex-presidente José Sarney, e aos velhos esquemas de cumplicidade dos quais participam ativamente jornalistas à cata de notinhas.
E tudo continuou como antes no Planalto Central. A não ser algumas ações abertas pela ex-secretária contra esses jornalistas, por crime de calúnia, injúria e difamação.
Episódios como este reforçam a necessidade de uma Comissão de Ética, indicada pelas empresas jornalísticas, para regular desvios de imprensa.

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