São Paulo, sexta-feira, 26 de janeiro de 1996
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Opção pelo emprego

MIGUEL ROSSETTO

O tema do emprego emerge como um dos principais desafios para a sociedade brasileira e para a política de estabilização monetária do governo. O conjunto dos indicadores apontam para um sistemático e continuado agravamento do problema.
A pesquisa de emprego e desemprego de São Paulo (Dieese - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos/Seade - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) de novembro de 1995, pela primeira vez, registra aumento do desemprego em novembro, tradicionalmente o mês de mais alta ocupação.
Entramos, assim, em 1996 com uma perspectiva alarmante. O Brasil necessita gerar a cada ano 1,6 milhão de novos empregos para os jovens que entram no mercado de trabalho.
No entanto, nossa economia está destruindo empregos antes existentes. Mantido este curso, Fernando Henrique Cardoso, que diz "rir de quem fala em desemprego", terminará seu mandato com o número assustador de 15 milhões de desempregados estruturais.
A política econômica do governo está na origem desta situação. A defasagem cambial, a abertura indiscriminada das importações e as altas taxas de juros, produzem impactos imediatos no mercado de trabalho. Somente na indústria, desapareceram mais de 160 mil postos ao longo de 1995.
Embalado pela falácia neoliberal, o governo quer eximir-se da sua responsabilidade através de dogmas que não resistem à mais elementar análise:
1) "A excessiva regulação do mercado de trabalho gera desemprego". Argentina e Espanha são os países que mais desregulamentaram o seu mercado de trabalho e têm, hoje, as maiores taxas de desemprego (20% e 24% da força de trabalho, respectivamente).
2) "O desemprego é fruto da reestruturação tecnológica". O Japão, onde processos intensivos em tecnologia são mais generalizados, apresenta as menores taxas de desemprego (2% da força de trabalho).
3) "O mercado informal absorverá a redução de empregos". É uma afirmação leviana e socialmente inaceitável. A queda de renda no setor formal limita a capacidade de crescimento do setor informal. Além disso, significa excluir dos sistemas de previdência e seguridade setores cada vez mais amplos.
4) "O problema do desemprego será resolvido com a retomada do crescimento da economia". Embora este seja um pressuposto não é, por si só, suficiente para a reversão do desemprego.
De 1970 a 1992, a Espanha cresceu num ritmo impressionante (93%), mas o emprego total diminuiu em 2%. No mesmo período, a Suécia cresceu menos da metade (43%), mas seu emprego total aumentou em 16%.
A conclusão é clara: a escolha do nível de emprego é uma decisão política e qualquer nível de emprego é compatível com um grande ou pequeno crescimento, havendo preços diferentes a pagar nas duas situações.
Ao optar pelo desemprego como custo da estabilização Fernando Henrique Cardoso faz uma opção consciente pela barbárie e pela irresponsabilidade social. O país não tem "gordura social" para sustentar este modelo.
Basta ver que enquanto o Uruguai tem um gasto social de US$ 488,5 "per capita"; e a Argentina, US$ 457; o Brasil destina apenas US$ 129,9 por habitante para este tipo de gasto.
A sociedade brasileira não fez esta opção. Ela quer a estabilidade econômica, é certo, mas esta não deve -e não precisa- ser obtida à custa da destruição de empregos, do aniquilamento dos direitos sociais básicos e da destruição do parque produtivo nacional.
A crise do emprego, portanto, é grave, imediata e ameaça ser irreversível. Enfrentá-la é uma tarefa da maior importância e urgência.
Em primeiro lugar trata-se de "fechar a fábrica de desemprego", representada pela atual política econômica. As oposições e a sociedade têm a obrigação de formular alternativas de estabilidade econômica dentro de um projeto de desenvolvimento auto-sustentado, soberano e democrático.
A legislação também deve privilegiar a defesa do emprego. Neste sentido, apresentaremos uma proposta de "Lei de Emprego" contemplando a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais e a coibição das horas-extras, da demissão imotivada e da fraude trabalhista.
A proposta prevê um sistema único de emprego com gestão tripartite, responsável pelo seguro-desemprego, formação profissional e recolocação de mão-de-obra; uma política de comércio internacional que resguarde o mercado e o emprego internos; financiamentos voltados às micro e pequenas empresas e às iniciativas de autogestão, condicionados à efetiva geração de empregos.
A apropriação dos ganhos de produtividade é outro debate necessário. Ao longo dos últimos anos, os ganhos de produtividade no país foram comparáveis e até mesmo superiores aos de muitos países desenvolvidos, sem reflexos em reduções de preço significativas ou melhorias salariais. As margens de lucro das empresas se elevaram, sem qualquer contrapartida em benefício do conjunto da sociedade.
São temas polêmicos, que necessitam ser enfrentados com coragem. Do contrário, as perspectivas do país que já convive com um grau de exclusão social e miséria gigantescos, tornam-se cada vez mais sombrias e assustadoras.

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