São Paulo, sábado, 27 de janeiro de 1996
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'Maracutaia' opta por humor padronizado

MÔNICA RODRIGUES COSTA
EDITORA DA FOLHINHA

"A Maracutaia", espetáculo adaptado e dirigido por Miguel Falabella, põe em cena uma versão livre de "A Mandrágora", de Maquiavel (1469-1527).
O enredo é pontuado por versos, falados por José Wilker com clareza e precisão. A adaptação da trama segue os passos da comédia de Maquiavel, cujo tema é a hipocrisia da sociedade de Florença por volta de 1520.
Falabella transporta os conflitos para o Brasil de hoje, entre políticos em Brasília. O espetáculo está mais para diversão, com humor fácil, do que para arte.
Trata-se de uma maracutaia, ou melhor, de um plano para um desses políticos, Calímaco (Giuseppe Oristânio), se aproximar da rica e bela Lucrécia (Mônica Torres) e assim conquistar seu amor e o poder. O pai dela é um coronel milionário do Nordeste. Mas Lucrécia é casada com Nícias (Othon Bastos), outro político nordestino. Os dois não podem ter filhos e esse é o nó da trama.
O lobista Ligúrio (José Wilker) vai promover o encontro entre Calímaco e Lucrécia, com a ajuda da sogra de Nícias e do padre estilista (Luiz Salem), obcecado por modelos exóticos de batinas.
Calímaco finge ser um médico francês famoso. Ligúrio convence Nícias e a cama está pronta, como dizem ritmadamente os versos: "A comédia se apresenta com a elite da nação/ porque em Brasília se diz/ que uma vez armada a cama/ basta nela se deitar".
A declamação é um dos pontos fortes do espetáculo, que também apresenta bons momentos de interpretação e humor, com Thelma Reston como Sóstrata, a sogra, os diálogos entre Calímaco e Ligúrio e especialmente com Othon Bastos no papel de Nícias, recitando trocadilhos que esvaziam o discurso já tão gasto dos políticos.
"A Maracutaia" faz a platéia rir. O humor oscila entre o inteligente e o óbvio. Mas seu tema retrata uma Brasília anacrônica. Muitos dos fatos caricaturados no espetáculo já não correspondem à realidade do país.
Segundo Carmelo Distante, que fez a introdução do texto de Maquiavel em tradução de 1977, estudiosos do autor, como Croce, viam nessa comédia uma "sátira de Maquiavel à corrupção da Itália de 1500, em particular à corrupção da Igreja, em vésperas da Reforma protestante".
"A Maracutaia" não alcança essa profundidade. A opção da direção do espetáculo parece ter sido a de seguir o humor padronizado da televisão, em vez da ironia com certa sutileza que se vê nos personagens originais.

Peça: A Maracutaia
Adaptação e direção: Miguel Falabella
Elenco: José Wilker, Mônica Torres, Othon Bastos e outros
Onde: Palace (al. dos Jamaris, 213, tel. 531-4900)
Quando: sex, às 21h, sáb, às 22h, e dom, às 20h30. Até 3 de março
Quanto: R$ 15 a R$ 50

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