São Paulo, domingo, 28 de janeiro de 1996
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Enfim, a sociedade reage

ALOYSIO BIONDI

Uma fábrica gigantesca de fibras têxteis, com apenas oito operários, no interior de São Paulo. Um moinho gigantesco, para milhares de toneladas de trigo por dia, totalmente automatizado, da entrada do grão à embalagem da farinha, biscoitos e macarrão, com apenas dez operários. Em pleno Nordeste.
Nos últimos anos, manchetes com essas notícias foram vistas e ouvidas com frequência pela classe média e povão brasileiros, envolvidos por equivocado entusiasmo com a falada "modernização" da economia. Acreditava-se, ingenuamente, que a "modernização" traria cada vez e mais investimentos ao país e, com eles, a ampliação da oferta de empregos.
Na verdade, a expansão do mercado de trabalho, paralelamente ao crescimento da produção, era um fato na década de 70, quando os governos da União e Estados tinham duas preocupações, ao traçarem sua política econômica. Buscava-se melhorar a produção com novas tecnologias ("modernizar") e criar empregos.
Para alcançar esse equilíbrio, havia redução de impostos, oferta de crédito, incentivos para setores ou tipos de empresas capazes de absorver mão-de-obra em larga escala. Tudo isso foi completamente abandonado nos últimos anos e o Brasil -além de desemprego temporário provocado pela recessão- vem mergulhando a passos largos no desemprego estrutural, permanente, com exércitos de desempregados. Um suicídio.
Por isso mesmo, pode-se considerar uma "virada histórica" a nova tomada de posição das entidades sindicais -que vinham, elas próprias, embarcando na canoa furada da "modernização" indiscriminada. Rejeitando os mitos que a sociedade brasileira vinha encampando, as organizações de trabalhadores colocaram o dedo na ferida: o desemprego precisa ser combatido com medidas de política econômica, como se fez no passado. Abre-se o debate. Dele, certamente surgirão alternativas para conciliar a modernização com a criação de empregos. Isso é possível.
A automação indiscriminada tem sido enganosamente defendida como uma necessidade para as empresas brasileiras reduzirem custos e poderem competir com os produtos estrangeiros, aqui e lá fora. Há setores em que o argumento é válido. Mas há setores que podem continuar usando largamente mão-de-obra, criando empregos, sem perder o poder de competição. Nos "tigres asiáticos", há fábricas com milhares e milhares de operários, na produção de roupas, brinquedos, eletrodomésticos, quinquilharias.
No Brasil, os empréstimos de longo prazo (e juros mais baixos), para investimentos na indústria, comércio e agricultura têm sido fornecidos basicamente pelo BNDES, banco estatal (e, nos Estados, pelos bancos de desenvolvimento). Grande parcela do dinheiro do BNDES vem de recursos do PIS-Pasep, mas a criação de empregos não é levada em conta pelo banco. Ao contrário.
Agora, as lideranças sindicais querem representantes dos trabalhadores integrando um Conselho do BNDES, para que a criação de empregos passe a ser um critério respeitado na aprovação de projetos. Finalmente, abre-se uma brecha no poder absolutista das equipes econômicas.
As mesmas esperanças são trazidas pela revelação de que o Senado está acelerando a tramitação de projeto, para criação de uma espécie de Conselho destinado a controlar a atuação do Banco Central.
O projeto se arrastava há muito tempo. Foi ressuscitado a partir do caso Econômico e outros, ante a revelação de que fraudes e desvios sempre tiveram a conivência do próprio Banco Central (e, na verdade, do Ministério da Fazenda e escalões mais altos).
O Congresso finalmente entende que a política econômica, os interesses do país, não podem ficar apenas nas mãos de equipes governantes. O quê, de resto, tem sido largamente demonstrado pelos casos de corrupção em outros países do mundo.
A sociedade, através dos sindicatos e Congresso, começa a reagir contra o autoritarismo do Executivo. Há sempre grande ceticismo em relação a essa capacidade de reação. Mas a pressão da opinião pública pode fortalecê-la.

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