São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 1996
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Pleno emprego

DARCY RIBEIRO

Todo mundo sabe que o problema fundamental do Brasil de hoje é o desemprego. Menos o governo, que promove uma política de pleno desemprego. Nosso país, que viveu sempre faminto de mão-de-obra, hoje tem imensos excedentes de trabalhadores. O sistema econômico que aí está implantado não necessita da mão-de-obra que tem disponível e que pressiona a todos com a mais simples das reivindicações: o sagrado direito a um emprego.
O desemprego é fenômeno grave no mundo inteiro por culpa da economia moderna, poupadora de mão-de-obra. Mas aqui no Brasil é gravíssimo, porque se sobrepõe à expulsão pelo latifúndio da população do campo, onde mais gente podia ser ocupada produtivamente de forma barata. Concentraram-se assim nas metrópoles imensas massas de desempregados. Esses excluídos são o motor da marginalidade, da violência e da delinquência em que o Brasil está atolado. Nossas milhares de putinhas de menos de 13 anos não fizeram nenhuma opção vocacional. Elas são lançadas à prostituição pelo desemprego em suas famílias. A mortalidade de milhares de jovens de menos de 25 anos, assassinados na última década, maior que a das guerras lá de fora, tem sua razão também no desemprego. Não tendo onde trabalhar, eles se engajam na única oferta, que é o tráfico de drogas, em que a sobrevivência é muito pequena.
Para agravar tudo isso, os tecnocratas federais, regidos pela ideologia do lucro, abriram as importações, exportando empregos, e se atrelaram aos banqueiros para promover a privatização das grandes empresas nacionais, incentivando a despedida em massa de seus trabalhadores. As grandes façanhas governamentais da reconquista da moeda e da morte da inflação se vêm fazendo sem nenhum senso de responsabilidade social pela massa trabalhadora. No máximo, dona Ruth ajuda Betinho a dar comida a algumas bocas. O que é muito justo, porque a bóia que não se come hoje não se comerá jamais, e a fome mata definitivamente.
O fato, porém, é que a política econômica vigente está desempregando milhões de trabalhadores de todos os ramos. Principalmente aqueles que mais ocupavam gente, como a construção civil e o emprego doméstico. Sou procurado por quantidades de jovens formados que nunca conseguiram um emprego. Já não têm nem esperança. A crise é tão grave que a obrigação do governo é olhar e ver as multidões de desempregados e famintos. Situação muito pior do que a seca do Nordeste, quando se criam as frentes de trabalho. Muito menos dinheiro do que as fortunas imensas que o Banco Central está dando a banqueiros vagabundos e falidos permitiria criar grandes frentes nacionais de trabalho.
Estive organizando aqui no Rio grupos de jovens favelados para replantar a Floresta da Pedra Branca. Pensei, depois, em recrutar alguns milhares mais, aos casais, para plantarem mangueiras, jaqueiras, jenipapeiras, pitombeiras, de dez em dez metros, ao longo de todas as estradas. Queria criar túneis verdes, como aqueles que Napoleão obrigou os fazendeiros franceses a plantar ao longo das estradas reais para sombra de suas tropas. A França está cortada por essas galerias douradas de álamos. O correspondente aqui seriam túneis de árvores jogando no chão frutas de graça, esverdeando mais este Brasil.

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