São Paulo, quarta-feira, 31 de janeiro de 1996
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De volta para o futuro

GILBERTO DIMENSTEIN

Ao sintonizar sua agenda para amenizar as críticas contra o desemprego, o presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu na Índia a redução dos benefícios trabalhistas. A economia se tornaria mais competitiva, afinada com a "modernidade", absorvendo mão-de-obra.
Estão esquecendo que, para a maioria dos trabalhadores brasileiros, a "modernidade" já chegou há muito tempo. É gente que nunca saboreou as vantagens da legislação trabalhista, não sabe o que é carteira assinada, férias ou 13º.
Basta lembrar que o Brasil até hoje não eliminou o trabalho escravo, graças à omissão oficial.
Pelo jeito, vivíamos no futuro e não sabíamos como éramos felizes.
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Fernando Henrique Cardoso segue o trilho da sociedade americana. Mas aqui se discute intensamente a relação entre modernidade e exclusão social.
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O emprego nos Estados Unidos transforma-se cada vez mais numa espécie de "bico": contrato por tempo determinado, frequentemente por meio período, sem seguro de vida, saúde ou aposentadoria. A demissão não implica nenhum custo adicional ao empregador.
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Diante da insegurança gerada, da estagnação dos salários e do desemprego, afetando a estabilidade das famílias, dúvidas são nutridas entre empresários com sensibilidade social, políticos e pensadores de esquerda e de direita sobre se a busca da eficiência não estaria indo longe demais.
Estão desesperados à caça de alternativas que unam a necessidade de eficiência aos valores humanos.
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A redução de benefícios trabalhistas pode ajudar setores avançados da economia brasileira, obrigados a competir no mercado externo. Mas torna ainda mais selvagem o nosso capitalismo, como previam os intelectuais de esquerda (um deles, por sinal, virou presidente, e outro, ministro do Planejamento).
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Aliás, poderiam começar reduzindo os benefícios trabalhistas do presidente, de ministros, de deputados e de senadores, dando o exemplo. Logo de cara, acabariam com o Instituto de Previdência dos Congressistas, mamata mantida com dinheiro do contribuinte.
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Cada lugar com seus problemas. Saindo da Índia, chego a Nova York, onde se reclama que o PIB da cidade cresce menos, se comparado à economia do país. São 7 milhões repartindo US$ 250 bilhões. Na Índia, um PIB quase igual (US$ 300 bilhões) deve ser repartido entre 900 milhões de habitantes.
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Nem a mais radical das feministas americanas sonharia com a situação da mulher no Estado de Meghalaya, nordeste da Índia.
Lá, o Deus é feminino, as meninas têm o nome da mãe (não existe filha ilegítima) e a herança é das mulheres, não dos homens.
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A maconha se transforma em fonte de divisas e turismo na Índia. Batalhões de jovens da Europa são atraídos porque, além das belezas naturais, palácios e gurus, a maconha é muito barata e vendida quase livremente.
É o que os economistas costumam chamar pomposamente de "vantagens comparativas" numa economia globalizada.

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