São Paulo, quarta-feira, 2 de outubro de 1996
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O eterno e o fugaz brigam em "Amores Expressos"

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hong Kong é uma cidade-síntese da nossa época: babel de línguas e etnias, cruzamento da cultura oriental com o pós-industrialismo, enclave capitalista no corpo mastodôntico do socialismo chinês.
Esta cidade em que tudo é caótico, cacofônico e veloz é o cenário mais adequado para as duas historinhas de "Amores Expressos". Mais que isso: é quase um personagem extra a interagir com os protagonistas dos dois desencontrados romances narrados no filme.
No primeiro deles, o jovem policial 223 anda como um sonâmbulo por ruas e bares enquanto sonha com um telefonema da ex-namorada. Na sua errância, acaba topando com uma traficante fracassada e igualmente à deriva.
No segundo, outro policial, o 663, tenta esquecer a aeromoça que o deixou, enquanto é assediado pela nova garçonete da lanchonete que frequenta.
O modo como o diretor Wong Kar-Wai narra essas histórias singelas não tem nada de ingênuo. Todos os recursos formais de que lança mão -a linguagem de videoclipe de certas sequências, a manipulação eletrônica da velocidade da imagem, a narrativa descontínua- acentuam a idéia básica que sustenta os dois entrechos: a do amor como busca de alguma fixidez num mundo em que tudo é fluido e transitório.
Na primeira história, 223 busca desesperadamente algo "que não tenha prazo de validade". Na segunda, a garçonete invade em segredo a casa vazia de seu amado e modifica pequenas coisas (o copo de escovas de dentes, o CD no toca-discos), na tentativa de construir um lar fictício.
Em cada episódio há uma canção repetida à exaustão; nos dois, os protagonistas são identificados por números; em ambos, troca-se o dia pela noite. Num mundo impessoal de hotéis, aeroportos e fast foods, a relação amorosa surge como a miragem de um oásis de permanência e identidade.
Ao construir seu exercício lírico em torno dessa âncora, Wong Kar-Wai incorpora o que há de mais novo na linguagem do vídeo e da publicidade sem sucumbir a seu fetichismo. Conjuga, na proposta e na forma, o moderno e o eterno.

Vídeo: Amores Expressos
Produção: Hong Kong, 1995, 95 min.
Direção: Wong Kar-Wai
Lançamento: Alpha Filmes (tel. 011 230-0200)

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