São Paulo, sexta-feira, 4 de outubro de 1996
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Goya é o primeiro artista moderno

RICARDO ANDERÁOS
DO UNIVERSO ONLINE

O espanhol Francisco Goya (1746-1828) foi ao mesmo tempo o último grande pintor da realeza européia e o primeiro artista moderno. Em seus quadros, e principalmente nas gravuras trazidas para a Bienal, antecipou em um século vários elementos da arte contemporânea.
A modernidade de Goya estava antes de mais nada em sua postura pessoal. Mesmo quando pintava sob encomenda, se negava a seguir as normas neoclássicas do bom gosto. Sua pintura era visceral e antiacadêmica.
Em suas séries de gravuras em metal, que lhe renderam perseguições da Inquisição e da coroa espanhola, denunciava a decadência da monarquia e os preconceitos religiosos.
Algumas dessas gravuras, como "O Sonho da Razão Produz Monstros", resumem a discussão política de toda sua época (leia texto ao lado). A gravura faz parte da série "Os Caprichos", exposta na Bienal, com 80 lâminas de cobre no formato de 21 cm por 15 cm, elaboradas entre 1796 e 1799, e repletas de imagens surreais.
Os "Caprichos" são uma ácida crítica à nobreza e ao clero espanhóis, contrários às mudanças sociais impulsionadas pela Revolução Francesa de 1789. Na série, Goya utilizou símbolos conhecidos pela maioria da população do país, como fábulas, canções e as imagens profanas entalhadas nas catedrais góticas espanholas.
Em termos plásticos a série mais inovadora de Goya é "Os Desastres da Guerra", com 82 gravuras de 15 cm por 23 cm, elaboradas entre 1808 e 1820. Na série, o artista descreve a ocupação da Espanha pelos exércitos de Napoleão, a resistência popular na guerra de guerrilhas contra o Imperador e a restauração da monarquia.
Nos "Desastres" Goya antecipou elementos da linguagem fotográfica, como o conceito de enquadramento, a profundidade de campo, o close e a busca do instante exato em que a ação principal -nesse caso, a morte- se concretiza.
A fotografia de guerra, que nasceu em 1853 na Criméia, teve que esperar até 1936, com a Guerra Civil Espanhola, para alcançar um realismo comparável ao das gravuras dos "Desastres".
A "Tauromaquia" (1814- 1816), com 33 lâminas de 25 cm por 35 cm, revela passo a passo os segredos da arte de tourear. Já na série "Os Disparates" (18 gravuras de 25 cm por 35 cm, de 1823) Goya deixou suas imagens mais enigmáticas. No "Disparate Matrimonial", um ser com duas caras, meio homem e meio mulher, dança entre monstros disformes.
É a obra "goyesca" que gerou mais debates e a que menos aceita leituras interpretativas. E essa parece ser, de resto, a melhor definição para esse adjetivo, "goyesco": que resiste à interpretação fácil e, por isso mesmo, cobra sempre um segundo olhar.

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