São Paulo, sexta-feira, 4 de outubro de 1996
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Africanos recusam o folclórico e querem modernizar a tradição

DA REPORTAGEM LOCAL

Com o novo projeto da Universalis e pelas escolhas de alguns artistas das salas especiais, a Bienal assume em sua 23ª edição um caráter nitidamente multicultural.
Pela primeira vez em sua história, a organização procura abertamente acrescentar à tradição (a produção branca e européia) artistas que fogem dos mecanismos mais usuais do mercado de arte ou da aceitação da mídia.
Faz isso ao mesmo tempo que pretende fugir de uma visão estritamente etnográfica ou, grosso modo, folclórica da produção considerada periférica.
E, nesse novo território aberto, a África -e sua herança artística espalhada pelo planeta- se apresenta em suas várias dimensões; da mais tradicional e radical à mistura com a linguagem urbana das grandes cidades.
As salas especiais recebem um dos meninos de ouro das artes americanas do início da década de 80, o americano de origem haitiana Jean-Michel Basquiat, que tem sete de suas pinturas expostas.
As influências das escolas européias na alma caribenha de Wifredo Lam (25 telas) dividirão ainda espaço com os baianos Mestre Didi (32 esculturas) e Rubem Valentim, que chega com um painel pertencente à coleção do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília (leia texto ao lado).
A África profunda poderá ser encontrada no espaço dedicado ao continente na Universalis.
Entre os seis nomes escolhidos pelo curador Jean-Hubert Martin, o público poderá conhecer até o trabalho de uma nobre.
Princesa
Francina Ndimande, 56, vive em Weltevreden, em uma região ao norte da África do Sul, e é uma princesa da comunidade dos Ndebelde.
Sua primeira exposição aconteceu em 1991, mas suas pinturas -quase decorações a partir de motivos tradicionais- há muito já eram conhecidas em seu país. "Meu talento com as mãos só traz felicidade às pessoas", diz.
Frédéric Bruly Bouabré (da Costa do Marfim) se incorpora a outra idéia de nobreza.
Além de executor de coloridos desenhos sobre as lendas e sonhos africanos, criou também um alfabeto e serviu de guia para etnólogos franceses em seu país.
Em suas pinturas as palavras e as imagens se unem para que possa contar uma história de fé e religiosidade. Bouabré é o sábio que persegue o significado dos símbolos do universo na natureza.
Gedeon, da Etiópia, chegou à arte pela necessidade da cura. Praticante da medicina tradicional, ele é o artista da pintura talismânica, que fornece ao paciente uma "imagem" do que lhe acontece.
Olhar para uma pintura de Gedeon -por vezes variações de um mesmo tom de cor em formas abstratas, ou as cores berrantes em meio a rostos disformes- significa a possibilidade de cura.
Tokoudagba compartilha com outros artistas africanos a herança da religião e da cultura que se converte em arte.

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