São Paulo, terça-feira, 8 de outubro de 1996
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O rei se diverte

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Pretendia falar sobre outro assunto, comemorar uma data importante que dividiu minha vida em antes e depois. Mas na crônica de ontem citei Sparafucile e alguns leitores me procuraram, por fax e telefone, pedindo-me esclarecimento sobre o personagem.
Vou direto à resposta: Sparafucile (aquele que dispara o fuzil) é o sicário da ópera "Il Rigoletto", de Verdi, que, como todos sabem, é a transposição lírica de uma peça de Victor Hugo, "Le Roi s'amuse" ("O Rei se Diverte").
A trama é complicada, como em todas as peças de Victor Hugo em geral e como em todas as óperas de Verdi em particular. O duque de Mântua (que na ópera substitui o rei, François 1º) seduz a filha de Rigoletto, bufão de sua corte. Alucinado de dor, Rigoletto contrata os serviços profissionais de um sicário para matar o duque.
O encontro do pai ultrajado com o assassino de aluguel é marcado por tons sombrios, tanto no cenário como na música. Rigoletto ainda tem dúvida se o sicário é bom mesmo, fica tranquilo quando sabe que o nome dele é Sparafucile. Com aquele nome, a "vendetta, tremenda vendetta" não poderia falhar. Mesmo assim falhou.
Bem, não vou contar a história de graça para os leitores -embora eles o mereçam. A crônica de ontem cita esse sicário de aluguel que, afinal, é um símbolo de todos os exterminadores, de todos os que são usados no serviço sujo da política, da economia e até mesmo do mundo do crime.
O que mostra como a política, a economia e o crime são parecidos. O ministro-tesoureiro de FHC ainda não adotou o fuzil -arma por sinal superada.
Mas sua função no atual esquema de poder é bem mais complexa do que a de um simples leão-de-chácara. Ele arrecada dos aliados e agride os que se colocam no caminho.
E o pior é que o rei, também chegado a uma galhofa, se diverte com isso.

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