São Paulo, terça-feira, 15 de outubro de 1996
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Crítica da sociedade é imprescindível

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O anteprojeto submetido ao ministro da Justiça para o novo estatuto da união estável é muito melhor do que as leis nº 8.971/94 a 9.278/96, em vigor. Enfrenta as questões do relacionamento entre os companheiros, as alusivas aos filhos, ao patrimônio e à sucessão.
Tendo em vista a complexidade da matéria, está aberto até o fim do mês o prazo para manifestação dos interessados, a ser encaminhada ao Ministério da Justiça, com sugestões. Dentro desse espírito chamo a atenção dos leitores para defeitos do anteprojeto, publicado nesta página. Começo com uma contradição. No art. 1º, se a união estável é reconhecida pela convivência entre um homem e uma mulher aptos a se casarem, está claro que não podem estar apenas separados de fato de seus respectivos cônjuges. Para estes o segundo casamento caracterizaria o crime de bigamia.
O cotejo entre os art.s 3º e 4º também me deixa dúvida. Se o regime de bens é o da comunhão parcial, imutável uma vez adotado, não faz sentido que os companheiros possam, a qualquer tempo, modificar suas relações patrimoniais dali para o futuro. Trata-se de liberdade indeferida aos legalmente casados, em forma reflexa de inconstitucionalidade.
No meu entender não pode haver união estável quando um dos companheiros seja casado. A proposta ofende o imperativo constitucional de que a lei deve facilitar (nunca dificultar) sua conversão em casamento. Em meu livro "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 364 págs.), escrevi que "a base jurídica da família continua sendo o casamento". Assim, a união estável não pode corresponder a um substitutivo do matrimônio legal. No casamento, os cônjuges devem de manter vida comum no domicílio conjugal, mas o art. 2º do anteprojeto não impõe esse dever. Nem exige fidelidade recíproca, a qual, contudo, parece indissoluvelmente ligada à idéia da própria estabilidade da união.
O art. 6º deve ser mudado para assegurar alimentos ao companheiro que deles necessitar, enquanto não se casar ou constituir nova união estável, para evitar confusões terminológicas. O artigo 7º está bem lançado, na parte em que nega o direito sucessório do companheiro sobrevivente se a união estável não estiver em vigor no momento do falecimento.
O art. 9º está melhor que na lei nº 9.278, mas continua inconstitucional. A habilitação, a verificação dos impedimentos e a celebração do casamento são realizadas pelo juiz de paz (Constituição, art. 98). Considerando que quase a metade de todas as uniões não são sacramentadas pelo casamento legal, o tema interessa a todos. As críticas e contribuições da sociedade são, portanto, imprescindíveis.

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