São Paulo, terça-feira, 15 de outubro de 1996
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Festival naufraga na falta de acústica

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Os produtores e a empresa patrocinadora do 11º Free Jazz Festival reconheceram os problemas de acústica nos diversos palcos do Galpão Fábrica, mas afirmam que os aspectos positivos do festival superaram a falha. É muita cara-de-pau.
O que os paulistanos viram no local, entre quinta e sábado passado, foram shows e shows desmoronando sob o peso do som inaudível e gotas de chuva caindo sobre músicos de jazz.
Isaac Hayes fez um show inesperadamente frio e conciso. Uma possível explicação? Pelo menos nas três primeiras músicas, as telhas expostas do galpão tragaram todo o som de sua voz e das de seus quatro vocalistas.
Essa foi a rotina no Main Stage um buraco negro acústico de que só escaparam poucos sortudos localizados em bolsões acústicos espalhados pela platéia.
O som abafado sabotou a rave ensaiada pelo 808 State (que parecia transmitida por rádio AM), o show molhado (de chuva) de Herbie Hancock; só Bjõrk conseguiu, aos gritos, afrontar a indigência sonora.
No palco Groove, o vexame foi ainda mais radical. Me'Shell NdegéOcello não escondeu o mau humor de cantar num salão entuchado de gente se empurrando mergulhada em massaroca sonora incompreensível.
Depois dela entrou George Clinton. Nunca os brasileiros imaginaram que ele fosse tão apático, tão desanimado. Talvez ele não seja. É que ninguém entendeu uma palavra do que ele disse e cantou. Não havia som.
Se isso se refere ao lado pop, imagine os shows de acid jazz do Incognito e do James Taylor Quartet -ou os de jazz propriamente ditos, em que o virtuosismo dos músicos é peça-chave.
E vem a organização minimizar a tragédia, como se não passasse de um imprevisto. Na prática, torna-se confissão de incompetência: um único especialista em acústica teria prevenido a produção de que o Galpão Fábrica não estava preparado para shows. Parece que esqueceram esse "detalhe".
Não é, entretanto, surpreendente. O Free Jazz demonstra cada vez mais uma estrutura organizada, eficaz, poderosa.
Nos cerca de seis meses que antecedem o evento, um cronograma planejadíssimo de entrevistas com artistas realmente notáveis e divulgação contínua de "novas informações" é obedecida candidamente pela imprensa, que oferece à marca de cigarros meio ano de ininterrupta publicidade gratuita.
Quando chega a hora, o compromisso com o que é mesmo importante -a música- recolhe-se a mero detalhe -o objetivo publicitário já foi largamente cumprido, não há mais que se preocupar.
Grande parte do público, animada pelo magnífico convescote social que se ergue, também parece nem perceber que o som está meio ruinzinho.
Sendo assim, uma possível solução pode ser adotada, se se continuar a usar o Galpão Fábrica (de fato, um espaço extraordinário para um festival) como cenário. Porque não, em 97, eliminar os shows ao vivo e potencializar a vocação de shopping do Gugu de luxo do festival? Seria um sucesso completo.

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