São Paulo, terça-feira, 15 de outubro de 1996
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Agora, o Brasil

JOSÉ ROBERTO ARRUDA

O calendário político brasileiro cumpriu mais um evento. Com as eleições municipais, discutimos as cidades, elegemos prefeitos e vereadores e aprendemos algumas lições.
Mesmo com segundo turno em 81 grandes cidades, nas demais 5.000 os prefeitos já estão eleitos. Em todas, os vereadores já foram escolhidos. As 81 disputas pontuais não invalidam, portanto, necessárias reflexões.
A primeira, e talvez mais importante, é que o amadurecimento político da população é visível.
Entendeu-se que prefeitos devem cuidar de cidades. A decisão do voto foi orientada pelos temas locais, do buraco da rua ao viaduto, da água ao esgoto, à luz, à escola, ao lixo, ao ônibus.
Pragmaticamente, a população pensou nas cidades e elegeu os que, no pensamento majoritário, teriam condições de melhor cuidar delas.
A segunda é que a população não rejeita a reeleição, para se dizer o mínimo. A gestão dos atuais prefeitos foi o tema central das campanhas. Alguns prefeitos ficaram escondidos, longe dos palanques, tentando não atrapalhar com o reflexo negativo de seus mandatos, e outros saíram a público pedindo votos para seus candidatos -como a dizer: "Como a lei proíbe que eu mesmo possa me candidatar para concluir meu trabalho, votem em quem jura que vai concluí-lo por mim".
Desse anacronismo nasceram ventríloquos e outras anomalias que só o avanço das relações políticas poderá sepultar. Lembro não só a reeleição, em todos os níveis, mas a fidelidade partidária e as cláusulas de barreira, evitando-se as legendas de aluguel, sem expressão popular, a tumultuar os verdadeiros e legítimos debates políticos.
Cumprido o evento e tiradas dele essas e outras importantes lições, tem-se que voltar, com urgência, a pensar o país como um todo.
Com urgência porque, após dois anos de implantação, o Plano Real, que acabou com a inflação e está propiciando este momento de inequívoco avanço da nossa democracia, ainda está calçado em bases provisórias.
Pior. Algumas delas são cruéis ao sistema produtivo. Juros altos, ainda que em queda, acertos monetários e câmbio têm que ser substituídos pelo fim do déficit público. Déficit que gera dívida interna e, daí, ou emissão ou controles que inibem o crescimento.
O Estado brasileiro, em seus três níveis, continua gastando mais do que arrecada. Enquanto não enfrentarmos essa questão, o Plano Real terá equilíbrio instável, e a inflação estará sendo tratada como febre com antitérmicos, sem remédio para a doença que causa a elevação de temperatura.
Então, a primeira prioridade tem que ser a reforma fiscal. Parte dela e parte da reforma da Previdência já estão no Senado. As reformas administrativa e tributária estão na Câmara. Só elas, em conjunto, poderão gerar condições de um ajuste fiscal duradouro, nos três níveis da administração pública, para que o Estado brasileiro se equilibre, ajuste suas contas, pare de produzir sucessivos déficits e, a partir daí, possa prestar melhores serviços públicos e criar as bases para que o Plano Real ganhe permanência. Como consequência, podemos ter um modelo de desenvolvimento mais equilibrado, que contribua para a diminuição de nossas desigualdades sociais e regionais.
A outra prioridade é a reforma política, no todo ou em parte, mas que venha.
Ao dar a cada eleitor o direito de, pelo voto, escolher os governantes que podem ou não ter um segundo mandato, vamos dar um passo à frente. A fidelidade partidária, as cláusulas de barreira e, quem sabe, o voto distrital misto são outros avanços com os quais já podemos sonhar, ainda que não tenham ganho tradução mais clara para a maioria da população.
Objetivamente, avanço político, que tem sua parte mais visível na possibilidade de reeleição, e reforma fiscal, para que os governos possam gastar menos do que arrecadam, são as duas sinalizações mais importantes para a economia interna e para o cenário internacional.
E não adianta tapar o sol com a peneira. Se formos capazes de cicatrizar feridas das eleições municipais, juntar nossas convergências e produzir esses avanços, teremos um cenário de estabilidade econômica, com crescimento e empregos.
Caso contrário, a nossa geração perde mais uma das chances históricas que Deus, brasileiro, insiste em nos dar.

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