São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 1996
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Bóias-frias recebem bolsa de estudo em PE

VANDECK SANTIAGO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CATENDE (PE)

Cerca de 2.000 bóias-frias da Zona da Mata de Pernambuco estão cumprindo, de segunda a sexta, uma rotina inédita na região: de manhã, com estrovengas (tipo de foice) e enxadas, eles aprendem a desenvolver a lavoura de cana-de-açúcar. À tarde ou à noite, com lápis e caderno, aprendem a ler e escrever pelo método do educador Paulo Freire.
Ao fim do mês, cada um recebe R$ 60 vindos do Ministério do Trabalho. A esse pagamento soma-se ao fim do curso o dinheiro obtido com a venda do resultado da plantação, feita em área administrada pelo Banco do Brasil, com recursos do próprio programa.
Os bóias-frias participam de um programa bolsa-escola no campo, criado pelo governo de Pernambuco e em execução desde o mês passado. Ainda sem nome oficial, é chamado apenas de Programa de Capacitação para a Zona da Mata.
O curso dura seis meses e pode ser renovado. Os 2.000 participantes são trabalhadores que não conseguiram emprego no começo da safra, em setembro.
Para participar, o bóia-fria tem de ser adulto, analfabeto, desempregado e não possuir fonte de renda fixa. Os sindicatos de trabalhadores rurais da área participam do cadastramento.
Na bolsa-escola, eles recebem menos do que o salário mínimo mensal que podem conseguir na lavoura de cana. Se conseguir emprego, o trabalhador pode deixar o curso sem problemas.
Principal região produtora de açúcar do Estado, a Zona da Mata vive basicamente das usinas instaladas no local e é caracterizada pelos latifúndios. É onde os trabalhadores rurais enfrentam um calendário cruel. De setembro a março, quando se colhe a safra da cana, cerca de 120 mil são contratados.
Nos cinco meses restantes do ano, quando se dá a entressafra, metade chega a ser demitida. "Aí esse pessoal fica vivendo de biscates e muita gente passa fome", diz José Rodrigues, secretário da Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco).
Cursos
Os cursos de alfabetização têm três horas diárias e acontecem de tarde e de noite. Os cursos técnicos, como o de plantação de cana-de-açúcar, têm cinco horas -das 6h às 11h.
A partir de novembro, segundo o governo do Estado, o curso técnico passa do plantio da cana para outros temas. Estão previstos cursos de criação de codorna, frango e galinha caipira; cultivo de hortaliças, maracujá, inhame e banana; e de noções básicas de segurança no trabalho, plantas medicinais e aplicação de defensivos agrícolas.
Quatro secretarias participam do programa, que é coordenado pela Secretaria Estadual do Trabalho.
O prazo previsto para a primeira fase do programa é de seis meses. Custará R$ 1,5 milhão -dinheiro do Ministério do Trabalho, já repassado ao Estado. Os 2.000 bóias-frias inscritos são de cinco municípios: Água Preta, Catende, Maraial, Palmares e Xexéu. A Zona da Mata tem 51 municípios.
"Essa primeira etapa servirá de modelo. Nossa intenção é obter mais recursos e expandi-lo", disse Dulce Alcântara de Faria Neves, diretora de Planejamento da Secretaria do Trabalho.
A expectativa é de que até o início de 97, caso haja mais recursos, cerca de 20 outros municípios sejam incorporados ao programa.
Kit educação
Os cursos de alfabetização são dados em salas, garagens, engenhos, sindicatos e igrejas. O curso técnico é dado no campo. Os "bóias-frias bolsistas" recebem do governo um "kit educação" composto de caderno, lápis, borracha e caixas de lápis de cor.
O kit traz ainda, para uso nos cursos técnicos, bota de borracha, enxada, estrovenga e facão.
A bolsa de R$ 60 só vai para quem que tem frequência de pelo menos 70%, tanto nas aulas de alfabetização quanto nas técnicas.
Os cursos de alfabetização visam tornar os bóias-frias "sujeitos críticos", segundo o governo. A partir de palavras do cotidiano deles, como "terra", por exemplo, discute-se a realidade local.

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