São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Previsões sobre crescimento e emprego

JOÃO SAYAD

É difícil avaliar o que está acontecendo com a economia brasileira.
Os números do IBGE indicam um pequeno crescimento da ordem de 2% ou 3% no produto, embora os números sejam instáveis e oscilantes.
O desemprego medido pelo IBGE diminui, mas a estatística de desemprego é atualmente muito insatisfatória. Os números saem de questionários que perguntam: "você está procurando emprego?" e "o que você fez para procurar emprego -entrevistas, testes, seleções".
Se o indivíduo tiver desistido de procurar, por cansaço ou frustração, não está desempregado. Se resolveu vender brinquedos contrabandeados sem imposto ou se passou a viver de bico, não está desempregado. A culpa não é do IBGE, mas do conceito que é difícil de ser substituído.
As estatísticas sobre demissões e admissões são mais fáceis de interpretar: há muito tempo o emprego vem se reduzindo.
O governo fala em processo de destruição criadora: setores, empresas e empregos estão sendo destruídos pelo aparecimento de novos produtos, novas empresas e atividades.
Podemos comparar o que está sendo destruído com o que está sendo criado. Para que o processo de criação destruidora acabe gerando crescimento, precisa atender pelo menos duas condições.
Primeiro, é preciso que o tamanho do que está sendo destruído seja mais ou menos parecido com o tamanho do que está sendo criado. Uma boa parte da indústria brasileira está em dificuldades diante da concorrência de preço e qualidade dos produtos importados e de novas formas de organização de mercados.
A indústria de autopeças é o melhor e mais infeliz exemplo. No mundo inteiro, as montadoras exigem reorganização do setor de autopeças, que passa a produzir sistemas e não peças e a preços muito menores do que antes.
No Brasil, a coisa é mais grave por causa da proteção negativa do setor (que paga impostos em cascata como o PIS-Pasep e o Cofins enquanto o importado não paga) e pela falta de investimentos em tecnologia em novos produtos.
O setor de autopeças representa, desde os anos 60, parte importante da indústria brasileira de transformação. Qual setor ou atividade estaria substituindo a redução desse setor? Os investimentos anunciados em novas montadoras? Ou o setor de serviços, McDonald's, seguros e cartões de crédito?
Muitas autoridades alegam que a destruição é "só" em São Paulo. A indústria de São Paulo representa 40% da indústria nacional. O que diria um argentino se o governo Menem dissesse que o problema do desemprego é "só" de Buenos Aires?
Em segundo lugar, e além do equilíbrio quantitativo entre o que se destrói e o que se cria, há um problema de equilíbrio de demanda. Quem vai comprar os novos carros das novas montadoras que se instalam no Brasil? Muitos dos compradores potenciais de carros são os operários demitidos das fábricas de autopeças e dos empresários do setor. Comprarão menos carros e, portanto, as fábricas novas que seriam criadas enfrentarão problemas de demanda. E poderão ser instaladas mais tarde.
Será que vai dar certo? Será que novos setores continuarão a ser criados apesar da falta de demanda?
A compra de bens duráveis tem crescido muito rapidamente. Vende-se geladeiras, televisões e microcomputadores como água. Não é a primeira vez que a economia brasileira começa a crescer pela venda de bens duráveis de consumo.
Desta vez, entretanto, esses produtos contêm quantidade muito maior de produtos importados. São vendas maiores de produtos que empregam menos brasileiros e compram menos matérias-primas, peças e partes no Brasil.
Por outro lado, a estabilidade de preços tem permitido um crescimento muito rápido do crédito ao consumidor. As famílias brasileiras que tinham empréstimos pequenos, relativamente ao nível de renda, estão aproveitando a redução da inflação para aumentar as compras de bens duráveis por meio de financiamento. E isso impulsiona a demanda.
Mas será que o movimento é duradouro? Ou será que depois de algum tempo o grau de endividamento das famílias atingirá um limite e reduzirá o crescimento das compras?
É difícil responder a todas essas perguntas com precisão. Pode ser que a soma dos fatores positivos seja maior que a dos negativos. A produção de cimento cresce e se concentra em poucos fabricantes. A indústria de alimentos vai bem.
A resposta talvez possa ser encontrada no desempenho de outros países. A Argentina tem elevadíssimo nível de desemprego e parou de crescer. Os países da Europa têm elevados níveis de desemprego e baixa taxa de crescimento. O Japão enfrenta problemas semelhantes. O Chile vai bem.
Na incerteza sobre o que está acontecendo, a política econômica poderia escolher dois caminhos: agir contra a inflação ou prevenir o desemprego.
Na Europa e nos Estados Unidos a inflação é problema resolvido há 15 anos. É vitória do passado e cada vez menos importante. Enquanto o desemprego se torna cada vez mais importante politicamente.
No Brasil, a vitória contra a inflação não completou três anos. Representa o ativo político mais importante do governo. O desemprego é problema novo e a opinião pública ainda ouve passivamente a afirmação do governo que é problema inevitável. Nessa situação, é fácil prever que nada será feito para atenuar o problema.

Texto Anterior: Custo maior; Salário menor; Assembléia permanente; Vendendo o peixe; Taxa do Big Mac; Lobby previsto; Fazendo dinheiro; Cópia reduzida; Batendo recorde; Mudança no ranking; Azul luminoso; Carro reciclável; Um quarto de século; Alteração forçada; Juros negativos; À prestação; Mercado seguro
Próximo Texto: Capital e trabalho na defesa da cidadania
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.