São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 1996
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Pavana para pulgas búlgaras

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Semana passada, falei sobre a dinâmica das lágrimas, ou melhor, não falei exatamente sobre isso, disse apenas que, talvez, polícia, justiça, saúde e faina humana ajudando, ainda venha a escrever alguma coisa com esse belo, belíssimo, título -sou o primeiro a reconhecer.
Curiosa a dinâmica não apenas das lágrimas, mas a dos títulos. Outro dia, mexendo em confusos guardados, encontrei um velho papel de carta do Hotel San Pietro, de Positano. Em letras de imprensa, enormes, destacado, estava escrito: "Pavana para pulgas búlgaras".
Estando sozinho na hora da descoberta, fui o primeiro e único a me espantar. Que diabo seria aquilo? Em princípio, nada tenho contra as pulgas, búlgaras ou não. Nem sei se existem pulgas na Bulgária, o pessoal de lá come bastante coalhada, pulga não deve gostar de coalhada, sei lá.
Com as pulgas brasileiras tenho uma história comovente. Um amigo, morador no florescente bairro do Catumbi, dizia que era o alvo preferencial de qualquer pulga. Para me convencer -eu nem chegara a esboçar descrença na sua afirmação- ele me deu um exemplo:
"Digamos que o Maracanã esteja lotado, 150 mil pessoas, mais os 22 jogadores, juiz, dois bandeirinhas e a bola. Que em cima da bola haja uma pulga. Começa o jogo, a pulga tem de mudar de lugar. Um minuto depois, ela está em cima de mim."
Foi essa história que motivou o título? Impossível. Em Positano, diante daquele mar de águas incrivelmente azuis, onde as sereias tentaram seduzir Ulisses (ele precisou se amarrar na jangada para resistir à sedução), dificilmente eu me lembraria dessa pulga nacional e desse amigo que morava no Catumbi.
Mesmo assim, para ameaça aos leitores, separei o papel do hotel de Positano e o coloquei na minha pasta. Pode ser que não me inspire nada. Mas pelo menos já me deu título para uma crônica de segunda-feira.

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