São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 1996
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O Mercosul de farda

ROBERTO LOPES

As manobras conjuntas dos exércitos de Brasil e Argentina são uma advertência a militares sul-americanos recalcitrantes com a democracia e dão nova dimensão ao Mercosul.
Silenciosamente, José Sarney (tido pelas elites brasileiras como um traste ultrapassado) e Raúl Alfonsín criaram, no final da década de 80, um mecanismo que subtraía às Forças Armadas o papel de tutoras do regime democrático e lhes conferia a função de mantenedoras desse regime.
O Mercosul era preponderantemente econômico, mas não -como muitos pensaram- essencialmente econômico. Sua importância política foi sendo revelada aos poucos -e os exercícios de guerra entre brasileiros e argentinos exploram essa vertente ao extremo.
A partir de agora, os generais que ainda sonham com projetos próprios de poder -como o baixote paraguaio Lino Oviedo- estão cientes de que, ao menos na parte meridional da América do Sul, seus colegas mais bem armados e equipados estão aptos a intervir conjuntamente. É a força de paz do Mercosul -algo que nem Brasília nem Buenos Aires admitirão claramente, mas que aflora das manobras com perfeita nitidez.
Todo esse processo encerra, contudo, dois sérios problemas -um interno e outro externo. Em primeiro, a dificuldade dos governantes civis -mesmo os de Brasil e Argentina- em reconhecer a importância de seus militares e, sobretudo, confiar neles. Em segundo, a dificuldade de manter os Estados Unidos à distância de um assunto que interessa primordialmente aos sul-americanos.
Washington não foi pega de surpresa. Entre 1992 e 1993, autoridades norte-americanas deixaram vazar, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), a idéia de criar um braço armado para a organização -uma espécie de força de emergência (ou força de paz) da OEA. É possível que o "grande irmão do norte" tivesse já intuído o vôo próprio que o bloco econômico do Cone Sul estava prestes a dar.
Mais recentemente, os Estados Unidos intensificaram sua ofensiva político-militar nesta parte do continente e explicitaram suas intenções ao propor, meses atrás, a criação de um sistema integrado de vigilância aérea para toda a América Latina. Brasil e Argentina responderam, diplomaticamente, que tal iniciativa não lhes parecia "conveniente".
Atualmente, esse problema externo é menos relevante que os óbices internos enfrentados pelos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem. Na Argentina, o drástico desmonte da máquina militar -instrumentado pelos cortes orçamentários ditados pela área econômica do governo- já não produz descontentamento apenas entre os baixos escalões. Irritado com as informações sobre o avanço (não controlado) desse sentimento de revolta, Menem trocou os chefes da Marinha e da Força Aérea -uma estratégia de "endurecimento" que só o tempo dirá se foi acertada.
No Brasil, há tempos que os chefes militares brasileiros perceberam as consequências da aproximação econômica entre Brasil, Argentina e os demais países do Cone Sul.
Paralelamente a esse estreitamento de laços, os economistas dos governos Sarney, Collor, Itamar e FHC foram fechando as torneiras que abasteciam os programas militares de valor estratégico. Sentiram isso, imediatamente, os responsáveis pela missão espacial do Ministério da Aeronáutica e os condutores do projeto do submarino nuclear brasileiro. A desculpa -extra-oficial- era sempre a mesma: a notória redução da rivalidade política com a Argentina.
É bom repetir: ao que tudo indica, essa conciliação de FHC e Menem com os seus militares é, no momento, muito mais relevante do que os "pitacos" que os EUA tentam dar no establishment militar sul-americano.

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