São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 1996
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Eric Rohmer registra erotismo do verão

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Nunca saberemos se Margot não usa sutiã sob a blusa que veste por causa do calor ou para colocar em relevo o contorno de seus seios.
Mas é quase certo que a própria Margot nunca venha a sabê-lo. Ela é personagem do "Conto de Verão", de Eric Rohmer, e os personagens de Rohmer nunca sabem muito bem porque agem de tal ou tal maneira. Quando supõem saber é que menos sabem.
Margot (Amanda Langlet) é a primeira amiga que o jovem Gaspard faz em suas férias nas praias da Normandia. Ela formará com Selene e Lena o trio que divide a atenção do rapaz ao longo do filme. Todas desfilarão um erotismo que, por ser discreto, nem por isso é menos exultante. Ele não é procurado, apenas está lá.
A situação é a seguinte: no início das férias, Gaspard leva um cano de Lena, sua garota, e se vê sozinho. Ao jantar, logo no primeiro dia, conhece Margot, estudante e garçonete, de quem fica amigo.
Um dia, durante uma saída em grupo, conhece Selene, que começa a paquerá-lo. Gaspard entusiasma-se por Selene -tipo bem mais atirado que Margot, que a qualifica, no mais, de "vulgar".
Gaspard ameaça um namoro com Selene -chega a dedicar-lhe uma música. Nesse momento, porém, Lena aparece.
Com isso, cria-se um problema de etiqueta: como se entender com as três garotas, com quem criou formas diversas de compromisso.
Mas já existe um problema subjacente. Gaspard tem relações afetivas de diversas ordens com as três meninas. Optar por uma delas, fixar-se, será sua questão.
Como se vê, se "Conto de Verão" virou grande sucesso da temporada em Paris, foi por conta própria. Rohmer não mexeu um dedo para isso acontecer. Continuou fiel a um cinema em que os personagens falam pelos cotovelos, andam de um lado para outro, encontram-se e desencontram-se.
Nada é espetacular ou artificial. É sempre assim na série "Contos das Quatro Estações".
Cada filme é rodado rigorosamente no calendário da estação a que se refere. Os atores são, com frequência, escolhidos por suas qualidades extra-artísticas (exemplo: no "Conto de Primavera", em que uma das moças era uma filósofa, Rohmer escolheu uma filósofa para os papel, baseado na suposição de que uma atriz entenderia as falas da moça).
Os personagens do "Conto de Verão" são, por isso mesmo, veranis. Talvez pareça supérfluo observar que, no início da temporada, Gaspard é um branquelo, e que ao final está todo bronzeado.
É possível que outro cineasta resolvesse o problema de forma mais pragmática -com maquiagem, por exemplo. Mas, para outro cineasta, a cor do personagem seria um mero problema de verossimilhança. Para Rohmer, é o fundamento. É sua razão de filmar.
Talvez por isso, hoje esse "Conto de Verão" pareça a muitos espectadores um tanto parado, falado demais. Mas, daqui a cem anos, quando alguém quiser saber como eram os franceses no fim do milênio, encontrará aqui a transcrição mais fiel possível de um modo de ser. E o que o cinema tem a oferecer ao mundo, se não isso?

Filme: Conto de Verão
Quando: hoje, às 19h20, no Masp
Acompanhe a programação no Acontece

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