São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 1996
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País poderá ter dois tipos de militares

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A CAXAMBU (MG)

A legislação sobre crimes militares que o Congresso está examinando, se aprovada como está, vai criar uma situação no mínimo embaraçosa: o país passará a ter "dois tipos de militares, uns de primeira, outros de segunda categoria".
Os policiais militares seriam os de "segunda categoria", e os membros das três forças seriam os de "primeira".
Quem diz isso é o pesquisador Jorge Zaverucha, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Ele argumenta que a legislação que o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso prevê que em certos casos policiais militares sejam julgados por tribunais comuns, mas que para o mesmo crime, membros das Forças Armadas sejam julgados por tribunais militares.
Seria o caso de crimes dolosos (nos quais existe intenção de cometer o delito) cometidos contra civis. "Se em um caso como a Operação Rio, por exemplo, um PM e um soldado do Exército torturarem um civil, o PM será julgado por um tribunal civil de acordo com o Código Penal, e o soldado será julgado por um tribunal militar de acordo com o Código Penal militar", afirma Zaverucha.
As declarações do cientista político da UFPE acrescentam mais um complicador no debate sobre quem deve julgar os militares em tempo de paz. A discussão se centra no fato de os militares ferirem o princípio jurídico de que todos são iguais perante as leis. Agora, a desigualdade se instalaria até entre os militares.
Zaverucha lembra que nos primeiros anos do regime militar os PMs eram julgados em tribunais civis, pois se entendia que sua função, de policiais, era civil.
Só a partir do conjunto de medidas autoritárias estabelecidas pelo então presidente Ernesto Geisel, em abril de 77 (o "pacote de abril"), que os militares passaram a ter o tratamento diferenciado, que facilita a impunidade de PMs que cometam crimes.
"Com a constituição de 88 nós sacramentamos que PMs são militares. A situação da Justiça militar no Brasil é semelhante à do Chile de Pinochet, da Espanha de Franco, e das Filipinas de Marcos", afirma Zaverucha.

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