São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 1996
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'A Porta' quer introduzir o erótico na alta cultura

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Tudo se inicia com uma orgia. O que restará depois, entre respirações ofegantes, sexos molhados, lençóis de cetim, "unhas de fêmea" e "gestos sôfregos", é o romance de estréia de uma mulher que diz sentir "um prazer indescritível" quando escreve: Heloisa Seixas e sua "A Porta".
Depois de ter sido celebrada como uma revelação pela crítica nacional -e também por autores estabelecidos, entre eles Ignácio de Loyola Brandão e Carlos Heitor Cony-, pela coletânea de contos "O Pente de Vênus" (1995), seu prometido primeiro romance chega nesta semana às livrarias.
E, depois de uma avalanche de romances policiais, narrativas históricas ou relatos confessionais, os temas por excelência dos novos autores brasileiros, Heloisa chega com sexo e sua mais poderosa metáfora: a destruição.
"O erotismo está presente porque há muita entrega. É uma história de amor, enfim, mas permeada por muito mistério. Sei que as cenas são fortes e isso pode mexer com as pessoas", diz Heloisa, 44, depois de pensar sobre a qualificação "romance erótico".
Em um Rio de Janeiro onde já está presente os indefectíveis símbolos da "modernidade" (computadores e e-mails), Helena conhece Pedro em uma festa dedicada ao sexo fácil e extremamente gratuito.
O que acontece então é que esse "homem enorme se eleva aos seus pés. Imóvel ainda, as mãos junto às coxas, o sexo pendendo em repouso como um pássaro".
Um exemplo do apego de Heloisa a metáforas, "descrições líricas" e também à velocidade. A cena acontece na página 15 do livro. A autora não perde tempo com descrições supérfluas.
"Mas acredito também que meu livro é um romance sobre o mistério, uma mulher que se defronta com o desconhecido."
Seus dois personagens vivem uma constante atmosfera de segredo. Pedro está em um mundo de espíritos e Helena tem a terrível sensação de que algum ser gostaria de vê-la morta. Todos sempre envoltos em uma forte presença do sobrenatural.
Heloisa, por seus escritos, acredita na máxima de que há sempre algo a se esconder.
Subliteratura
Heloisa Seixas diz ter começado a escrever por "necessidade". Começou sua carreira como jornalista. Os contos de "Pente de Vênus" -já com o erotismo presente- é que a projetaram para um pequeno e influente círculo de leitores. "Eu conheci Carlos Heitor Cony depois da publicação de 'O Pente'. Logo que terminei o romance, o enviei a ele, que me indicou para a editora Record."
Uma das últimas vezes em que uma autora brasileira partiu em direção ao sexo como meio de expressão -a escritora Hilda Hilst-, foi motivada pela idéia de protesto.
Hilst acreditava que as pessoas não estavam mais interessadas em um tipo de literatura considerada séria, por isso se voltava para outro território. Mas sexo escrito é sóbrio, divertido, ou apenas pornografia?
"Não tenho a menor idéia sobre como qualificar o trabalho que faço. Sei que o meu discurso pode parecer falso, mas para mim escrever é uma experiência muito avassaladora, da mais completa necessidade. Não consigo fazer distinções, se isso é ou não best seller."
Mas outros conseguem. Um autor brasileiro, que preferiu permanecer anônimo, disse que o trabalho de Heloisa Seixas "causa muita desconfiança. Na verdade não parece ser mais do que apenas subliteratura".

LEIA MAIS sobre o romance "A Porta" à página 5-3

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