São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 1996
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Não ria, mas vem aí 'as melhores de Tio Dave'

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Tio Dave anda lendo várias biografias de jornalistas famosos. Está aprendendo a lidar com a fama e a notoriedade que acompanham um colunista de jornal quando decide publicar um livro.
Faça-me o favor de não dar risada, Joãozinho.
A verdade é que o dono de uma editora muito famosa me ligou e perguntou se eu gostaria de lançar um livro composto por colunas passadas minhas.
A outra parte da verdade é que, depois de me fazer essa pergunta descabida, ele não chegou a me telefonar de novo para falar de condições sérias, tipo dinheiro.
Enquanto isso, ando comprando e lendo todos os livros que encontro que tratam do seguinte tema: como outros jornalistas viraram ricos, famosos e felizes.
Meu raciocínio é o seguinte: se eu finalmente começar a levar a coisa a sério e realmente estudar essa profissão, posso acabar desfazendo um presidente, um rei ou alguma figura poderosa desse tipo.
É isso que me mantém acordado até tarde da noite, lendo as aventuras de Ben Bradlee, o sujeito que acabou expulsando Richard Nixon da Casa Branca.
Por falar nisso, ser presidente é o emprego dos sonhos de qualquer um. Tanto Nixon quanto Fernandinho perceberam como é fácil -você trabalha dentro de casa e não precisa carregar nada que é pesado.
Além de Bradlee, minha lista de leituras inclui Gore Vidal, que, aparentemente, passou sua vida inteira conhecendo apenas pessoas extremamente famosas. Isso me deixa um pouco inquieto. A acreditar em suas próprias palavras, Gore não conhece nem uma única pessoa simples.
Isso nos leva a refletir sobre questões sérias: como ele faz para ter sua roupa lavada ou para comprar um litro de leite C.
"Afinal", pergunto a mim mesmo, "como se explica que as únicas pessoas com quem eu topo são candidatos a vereador? O que foi que eu fiz de errado?"
Outra coisa que eu poderia me indagar é o que Gore Vidal fez de certo para ter ficado sentado numa escadaria, batendo papo com Jackie O., anos antes de ela adquirir o O. em seu nome?
A fama é uma coisa complicada, até enganosa.
Muita gente aqui na Bananalândia acha que é famosa, quando, na realidade, a única coisa que aconteceu é que não havia muitas notícias quentes para colocar na primeira página do jornal naquele dia.
Às vezes a fama é apenas questão de morrer na hora certa.
Outro caminho para se chegar ao sucesso jornalístico é explicado na biografia de Cyril Connolly. Mr. C. foi, durante muito tempo, o rei inconteste das resenhas literárias inglesas.
Na condição de monarca constitucional do mundo literário inglês, Mr. C. ocupava as páginas do velho e grandioso "Sunday Times".
Seu dom supremo era o de traçar analogias. Mr. C. costumava cunhar frases como: "A vida sem amor sempre me pareceu semelhante a uma operação sem anestesia".
Certa vez, escreveu que: "Os garotos não amadurecem de maneira gradativa. Seu avanço se dá aos saltos, como os ponteiros de um relógio de estação ferroviária".
Quando foi fechada sua revista da época da guerra, "Horizon", escreveu: "Apenas as contribuições continuaram sendo entregues inexoravelmente, como o leite à porta de um suicida".
Connolly achava que uma foto de Norman Mailer tinha a expressão de "um cachorrão peludo, esperando para ir buscar a bola que já estamos cansados de atirar".
Assim, continuo lendo sobre como lidar com a fama e a riqueza, caso aquele livreiro incauto algum dia resolva renovar o convite que me fez.
Como Taki, eu o aconselharia a não cair num erro tão grande.
Como, com certeza absoluta, nenhum membro responsável da imprensa brasileira cogitaria em fazer uma resenha de um livro costurado com os fios frágeis que costumam compor uma de minhas colunas, escrevi minha própria apresentação para constar na contracapa do meu livro:
"H.L. Mencken escreveu que, 'se você não soar sua própria buzina, não haverá música'. O autor desse volume pequeno, mas em sua maioria ilegível, obviamente acredita nessas palavras.
Quem, exatamente, esse tal de Mr. Zingg acha que é?
O fato de qualquer editora decente decidir publicar esses artigos perturbadores é tão imperdoável hoje quanto foi quando um jornal sério como a Folha decidiu abrir espaço para eles, em primeiro lugar.
Tendo tido o azar de conhecer esse Mr. Zingg muitos anos atrás, o autor dessas notas de contracapa está ciente de como funciona sua mente conturbada.
Mr. Zingg se regozija com o som de sua própria voz e se deixa hipnotizar por seus próprios escritos. Só escreve sobre ele mesmo.
Muitos foram os leitores que preferiram abrir mão de ler suas colunas, para não ser obrigados a enfrentar sua prosa estranha, contorcida e degradante.
Este livro, esta coletânea de artigos, é um convite inequívoco ao caos moral. É um ataque frontal e direto à estrutura moral brasileira.
Zingg possui um ego descomunal. Não chega a surpreender que tenha sido expulso de clubes que ele mesmo ajudou a fundar.
Esta coletânea de colunas, ironicamente descritas como 'as melhores de Zingg', vai com certeza ofender a quem possui bom gosto e discrição e atrair os invejosos e os alpinistas sociais.
Ordem e progresso, sim! Zingg, não!"

Tradução de Clara Allain

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