São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 1996
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Heloisa Seixas se abandona em fantasmas

MARCELO RESENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Logo que as primeiras histórias de Heloisa Seixas encontraram a crítica, rapidamente seu trabalho ganhou um adjetivo: gótico.
Sua associação de sexo ao fantástico fez com que fosse vista como parte de uma tradição literária -predominantemente britânica, no final do século 18 e meados do 19- que sempre manteve em um mesmo lugar o terror e os corpos em atração.
"Ser qualificada de gótica me espantou muito. Me causa surpresa. Eu nunca me senti próxima desse tipo de literatura. A única que li foi a Mary Shelley ('Frankenstein'). Mas isso por vezes acontece. Você termina influenciado por obras com que nunca teve contato."
O fato é que as histórias de fantasmas a perseguem desde a infância. Só depois de adulta é que pôde formular o conceito de que esse medo do desconhecido se aplicava, na verdade, "ao corpo, ao cheiro e ao sabor do outro".
"Eu gostava de narrativas de assombração. Meu pai lia as histórias de fantasmas quando eu era criança, e também minha avó. São histórias que me assustavam e me assustam muito. Na verdade, acho que escrevo para poder me livrar de todas elas."
Para a ensaísta carioca Flora Sussekind, os gêneros aplicados ao romance, ao menos hoje, são mais questões de marketing do que uma verdadeira explicação.
"Eu não li o romance e por isso é difícil fazer qualquer comentário mais profundo, mas acho que qualquer rótulo, tanto 'gótico' quanto 'literatura erótica', serve mais ao mercado do que qualquer outra coisa", diz Flora, lembrando que hoje as pessoas é que denominam seus trabalhos.
"Outro dia uma senhora lançou um livro e já explicou que se tratava de erotismo."
Já para a escritora de romances históricos Ana Miranda, "a literatura erótica não tem técnica tradicional, é apenas subjetiva".
Talvez, ao menos para a mente de um leitor do sexo masculino, não haja maior mistério do que uma mulher que faz longas descrições sobre "músculos em ação".
Quando há dois anos a imprensa revelou que "A História d'O" foi escrita por uma senhora parisiense, o impacto residia apenas em um fato: uma mulher?
"Posso dizer que minha história é autobiográfica, mas em um sentido mais amplo. Acho que as minhas fantasias também podem ser consideradas assim. Afinal, também fazem parte de mim."
Explicitamente perturbador? "Posso ainda falar que escrever é uma caminhada que também me dá medo". Só não tem certeza se de corpos ou fantasmas.
(MARCELO REZENDE)

Livro: A Porta
Autora: Heloisa Seixas
Preço: R$ 18

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