São Paulo, sexta-feira, 25 de outubro de 1996 |
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Coppola faz oposição à Hollywood de Spielberg
INÁCIO ARAUJO
Bastam alguns minutos de projeção, no entanto, para o espectador notar que esse espírito politicamente correto ocupa uma parte ínfima das preocupações do novo filme de Francis Ford Coppola. Quando Jack deixa de ser o "monstro" recluso que as crianças da vizinhança imaginam e passa a ir para a escola, a fábula ganha corpo. Este corpo é o de um homem de 40 anos num menino de dez anos (e desenvolvimento mental compatível com essa idade). Já não estamos apenas diante de uma fábula sobre o crescimento, os terrores da adolescência. Coppola nos propõe uma parábola ácida sobre a sociedade americana, onde os corpos crescem sem que a mente os acompanhe. Inútil dizer, a referência imediata dessa sociedade é a Hollywood do infantilismo, do padrão criado por Spielberg e imitado, quase sempre, sem criatividade. "Jack" é um filme de oposição. Evolui na direção exatamente inversa à da Hollywood contemporânea. Por vezes, nos diz o quanto existe de criança em cada adulto (mas não há encanto algum nisso, é apenas uma disfunção). Por vezes, enfatiza o quanto pode haver de adulto (isto é, de grave e angustiado) em uma criança. Por isso, não raro, há momentos em que "Jack" chega a lembrar "Edward Mãos de Tesoura", de Tim Burton, que adota o tom de fábula para falar da incompletude dos homens. Mas Coppola é uma torrente. Não lhe bastam a fábula, a comédia, o drama. À medida que o filme evolui, e que Robin Williams se entrega de corpo e alma a esse estranho personagem em que corpo e alma nunca coincidem, Jack passa a se particularizar. Notamos estar diante de uma tragédia pessoal quando, por exemplo, Jack faz as contas e calcula sua idade quando tiver 28 anos. A conta é: 28 x 4. Daí por diante, percebemos que a primeira impressão (a do politicamente correto) é apenas uma falsa pista deixada pelo diretor. Só superficialmente a questão pode residir na capacidade de aceitar e integrar diferenças. O problema é o de um mundo composto por pessoas sempre diferentes em relação a si mesmas. Jack torna-se então um signo vazio, uma espécie de zero a partir do qual observamos o comportamento daqueles que o cercam: os colegas de escola, a mulher abandonada pelo marido, o descasado patético em busca de aventuras, a mãe que protege o filho etc. Como esses personagens "normais" vão aos poucos escandindo sua anormalidade, é neles (isto é, em nós, os "normais") que o desajuste passa a se manifestar plenamente. "Jack" é um "Peggy Sue" mais bem-sucedido, em que Francis Coppola mostra, outra vez, que é um dos raros cineastas capazes de unir tecnologia de ponta e experimentalismo, grande produção e reflexão. É um filme de maturidade, que se beneficia de um Robin Williams também em plena maturidade, fazendo um Jack memorável. Filme: Jack Produção: EUA, 1996, 113 min. Direção: Francis Ford Coppola Com: Robin Williams, Diane Lane, Bill Cosby Quando: a partir de hoje nos cines Paulista 2, Gazetinha, Eldorado 1 e circuito Texto Anterior: Picasso mostra suas musas em Paris Próximo Texto: "Coragem Sob Fogo" é um míssil que erra o alvo Índice |
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