São Paulo, sexta-feira, 25 de outubro de 1996
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Garçons levam gorjeta entre um projeto de vida e outro

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Achei interessante uma pesquisa informal feita nos Estados Unidos por um estudante de pós-graduação que trabalha como garçom há 18 anos. Entrevistou centenas de colegas e desvendou muito dos bastidores da cozinha e das salas de restaurantes.
Um ou outro entrevistado gosta da profissão. Um, para ser mais exata. Usam o emprego como meio de ganhar dinheiro para pagar o aluguel e os estudos. Poucos têm um salário e quando têm é mínimo. Vivem das gorjetas entre um projeto de vida e outro.
E os garçons, pelo menos os norte-americanos, detestam os clientes. Às vezes com razão, às vezes, não.
Uma garçonete, interrogada sobre suas implicâncias, respondeu: "Tenho uma ou outra, não posso negar. A primeira... é... tipo, quando o cliente respira...".
Para começar, prestar atenção ao garçom.
Olhá-lo no olho e pedir sempre "por favor".
Jamais tocar nele, não bater nas suas costas nem puxá-lo pela manga.
Não assobiar nem estalar os dedos para chamá-lo.
Jamais chegar antes do horário de abertura do restaurante ou ficar sentado às mesas depois da hora de fechar.
Os garçons detestam quando acenamos para eles indicando que estamos prontos para o pedido e afirmam que quando chegam, nós, os fregueses endiabrados, enfiamos a cara no cardápio, ou não sabemos o que pedir ou clamamos por tempo.
Horríveis os clientes que pensam ser os únicos no dia de um restaurante cheio. São apelidados de rei ou rainha de Sabá.
Acontece que o garçom está acima do bem e do mal, conhece nossas incertezas, inseguranças e mutretas para disfarçá-las. Ele tem olho crítico, ele sabe.
Assédio sexual é totalmente proibido. Lembre-se, eles não gostam de você.
Um garçom pode se sentir muito mal se a mulher de um casal no restaurante sussurrar ao ouvido do companheiro o que quer comer, para que ele repasse o pedido.
Ele se sente invisível, e esta é um regra de deseducação que não se usa mais.
Esqueça as crianças em casa, mas jamais se esqueça da gorjeta. Nos Estados Unidos, onde foi feita a pesquisa, a gorjeta deve ser de 15% a 20%. Se não houvesse o sistema de gorjeta, a comida sairia de 15% a 20% mais cara, logo ela não é opcional, mas sim obrigatória.
Uma garçonete do Texas é radical: "Ah, eu me vingo do cliente se não deixa gorjeta. Saio correndo atrás dele e o mato com um tiro". A mesma menina gosta de crianças educadas, mas tropeça de propósito nas outras.
Um mandamento importantíssimo é o seguinte: escolha o restaurante de acordo com o que quer comer.
Os clientes dos anos 90 pensam que o restaurante é um supermercado com um cozinheiro. Misturam os ingredientes ao seu bel-prazer, inventam um prato novo.
Acontece que o cozinheiro já foi criativo o bastante e pode acabar com a alegria de seu garçom quando ele chega com um pedido às avessas.
Em Manhattan, um outro infeliz reclama: "A certa altura eu me sinto como Lênin. Não se pode dar escolhas às pessoas. Você se vira para o cliente e diz que o acompanhamento do bife pode ser arroz ou batata. Ele joga a cabeça para trás e se põe a pensar como se eu tivesse todo o tempo do mundo. Fico imaginando como um cara desses enfrenta os dilemas da vida...".
Outro tem pesadelos com as pessoas alérgicas e adoraria que elas fizessem sua comida em casa.
No outro dia, ele serviu uma senhora que lhe entregou um cartão metálico com quinze ingredientes que poderiam matá-la. "Pô, botar a vida assim na mão do garçom ou cozinheiro não é legal."
Estão aí, pela rama, as principais queixas dos garçons. Comporte-se. Você pode sair do restaurante picadinho e guarnecido com brócolis.

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