São Paulo, sábado, 26 de outubro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A reforma agrária e o crédito fundiário

ERLY CARDOSO TEIXEIRA; MAMADU LAMARANA BARI

ERLY CARDOSO TEIXEIRA
e MAMADU LAMARANA BARI
O traço essencial da estrutura fundiária brasileira é o caráter concentrador da propriedade da terra. As causas do aumento da concentração da posse da terra, no Brasil, a partir dos anos 60, foram a modernização no campo via crédito rural subsidiado e a transferência de renda da agricultura para o centro urbano-industrial. Essa transferência foi anualmente superior a 30% do PIB agrícola.
A reforma agrária realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e da Reforma Agrária (Incra) consiste em desapropriação de terras, indenização e distribuição de lotes aos sem-terra selecionados. Esse processo não tem sido capaz de resolver o problema da estrutura fundiária do país. Por outro lado, apontam-se como causas de boa parte das dificuldades em muitos assentamentos o paternalismo, o isolacionismo e o autoritarismo.
Um procedimento alternativo para tornar a terra disponível para os sem-terra e que merece ser devidamente discutido é o crédito fundiário. Esse tipo de mecanismo transfere ao sem-terra, seu beneficiário, o poder de decisão sobre a compra da terra em quantidade, qualidade e preços disponíveis no mercado, além de aliviar tensões nas regiões de conflito. O crédito foi também a solução encontrada para resolver o problema de moradia urbana na década de 70, nesse caso, o crédito habitacional.
O que se sugere é a implementação de uma linha de crédito para financiar a compra de terras (crédito fundiário) a juros fixos de 3% a 5% ao ano, com dez anos de carência e um prazo de 20 anos para amortização da dívida.
Essa linha de crédito beneficiaria inicialmente apenas as famílias dos sem-terra acampadas e cadastradas nas organizações de apoio aos sem-terra, na Contag, ou no Incra. Cada família receberia um financiamento de R$ 30 mil a R$ 50 mil; podendo até 20% desse valor ser aplicado em investimento.
Os financiamentos para cobrir as despesas de custeio seriam obtidos do crédito rural disponível para a pequena agricultura, via Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (Procera).
Reconhecendo-se a existência de 100 mil famílias acampadas hoje em todo o país (dado obtido de conversação com Francisco Dal Chiavon, do MST), o volume inicial de recursos necessários para o crédito fundiário seria de R$ 3 bilhões a R$ 5 bilhões; menos que o crédito disponível para a safra 96/97.
Essa proposta traz as seguintes vantagens: a) o agricultor sem terra compraria sua terra a preços mais baixos; b) os recursos retornariam em 30 anos para continuar o programa; c) os conflitos sociais seriam eliminados ou amenizados, porque os movimentos de apoio aos sem-terra passariam a ter a função mais nobre de auxiliar na orientação para a aquisição da terra, organização da produção, e de oferecer assistência técnica e administrativas; e d) o governo poderia reduzir sua participação na tarefa de realizar desapropriações e assentamentos, na qual é pouco eficiente, deixando essa incumbência para os sem-terra, devidamente orientados e fiscalizados pelo Incra, Contag, pelas organizações de apoio aos sem-terra e pelos agentes financeiros do crédito fundiário.
Para que essa proposta tenha êxito, cabe ao governo fazer as reformas institucionais necessárias nos organismos executores da política agrícola, pondo o agente financeiro e o extensionista em contato mais próximo com os recém-proprietários nas sedes dos distritos.
Isso porque os ex-sem-terra ou os novos pequenos proprietários passarão a conviver com os problemas que os pequenos produtores enfrentam historicamente: discriminação em relação ao uso do crédito, à assistência técnica e à pesquisa. A reforma do Imposto Territorial Rural (ITR), fazendo-o incidir sobre terras desocupadas, e ao mesmo tempo coibindo a sonegação, é medida importante e complementar para promover a expansão da oferta de terras de qualidade a preços de mercado.
Vale enfatizar que se pretende com o crédito fundiário tão somente tornar a terra disponível para aqueles que não a possuem. E esse, nos parece, deve ser o primeiro objetivo de quantos estejam sensibilizados com a questão da terra no Brasil.

Erly Cardoso Teixeira, 47, é professor titular do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (MG).

Mamadu Lamarana Bari, 44, é professor assistente da Faculdade de Ciências Econômicas da Bahia e doutorando do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (MG).

Texto Anterior: "Um país normal e seguro"
Próximo Texto: Especulação abala o peso mexicano
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.