São Paulo, sábado, 26 de outubro de 1996
Próximo Texto | Índice

Abuso de crianças vai às telas

ADRIANE GRAU
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

Nascida na fina linhagem de atores e diretores iniciada pelo avô Walter e aperfeiçoada pelo pai John, a premiada atriz Anjelica Huston resolveu, aos 45 anos, passar para o outro lado da câmera.
Seu primeiro filme como diretora, "Bastard out of Carolina", ainda não tem distribuidor para cinema e será mostrado nos Estados Unidos pelo canal de televisão paga Showtime no dia 15 de dezembro.
A atriz foi homenageada num tributo do American Film Institute durante o International Film Festival em Los Angeles, no dia 22 de outubro.
Anjelica Huston subiu ao palco do Mann's Chinese Theater em Hollywood para um bate-papo com John Powers, o crítico de cinema da revista "Vogue". Trechos de seus filmes foram mostrados e comentados.
Segundo a filha de John Huston, que conversou com a reportagem da Folha ao chegar ao cinema, ela aprendeu tanto sobre filmes com o pai e em sua carreira como atriz que percebeu estar pronta para tentar algo mais.
"Além de interpretar, sei escolher figurinos, realizar trucagens e entendo de produção", afirma Anjelica. "Eu me cansei de sentar no trailer durante horas imaginando por que demorava tanto para começar a filmar. Resolvi descobrir como isso acontece."
O roteiro de "Bastard out of Carolina" é baseado no best seller de Dorothy Allison. Conta a história da menina Bone (Jena Malone), que cresce em South Carolina nos anos 50 sofrendo constantes espancamentos e abusos sexuais do padastro, Glen Waddel (Ron Eldard), sob o consentimento da mãe, Anney Boatwright (Jennifer Jason Leigh).
"Eu sempre gostei de histórias de sobreviventes", explica Anjelica sobre sua escolha.
O filme, altamente realista, tem cenas chocantes de espancamento e violação sexual. Por causa disso, a Turner Entertainment se recusou a mostrá-lo na televisão. "Mas me deixaram dirigi-lo", contenta-se Anjelica Huston.
Quando a Showtime concordou em levar o filme à tela, resolveu cortar a sequência que mostra o padrasto se masturbando com Bone no colo.
"É uma cena difícil, mas totalmente justificada", diz Anjelica. "Eu não não pensava em fazer um filme sobre o assunto, mas fiz porque tive uma reação visceral ao ler o roteiro".
A agora diretora afirma que ter um clima de cooperação no set de filmagem foi uma de suas prioridades.
"Escolho personalidades, e não atores para trabalhar comigo", explica. "Não há razão para ter stress desnecessário durante as filmagens."
Anjelica Huston encara com bom humor a cobrança do público, que espera que ela seja tão boa atrás das câmeras quanto o pai e avô.
"Nem me incomodo quando me cumprimentam por 'High Noon', diverte-se ela. "Mas demorei anos para me recuperar do filme que fiz com meu pai, 'A Walk of Love and Dead', aos 16 anos."
Anjelica conta que só descobriu a obra do avô Walter quando foi morar em Nova York para ser modelo, aos 17 anos.
"Na Irlanda, onde eu morava antes, o cinema mais próximo ficava a uma hora e meia de carro."
Após a exibição de um trecho de "The Crossing Guard", que ela fez ao lado do ex-marido Jack Nicholson, ela comentou que o drama a ajudou a limpar a mágoa que tinha pelas constantes traições que sofria do ator.
"É um caso raro em que o papel ajuda a resolver problemas pessoais", diz ela. "Ainda bem que Sean Penn nos deu essa chance."
Supersticiosa, ela conta ainda que tem vários projetos em andamento, mas se recusa a dar detalhes. Só adianta que pretende dirigir de novo, depois de "Bastard out of Carolina".
"É bem mais confortável. Nós, atrizes, só nos preocupamos em como aparecer na tela. E, para mim, é sempre frustrante."

Próximo Texto: 'Bastard' choca pela indelicadeza
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.