São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996
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Fazendas contra animais

ESTANISLAU MARIA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM

Ameaça de devastação e à biodiversidade. Esses foram os principais alertas de alguns dos maiores especialistas em Amazônia do mundo inteiro reunidos no "Simpósio Internacional Diversidade Biológica e Cultural da Amazônia em um Mundo em Transformação", promovido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi no final do mês de setembro, em Belém. Um modelo de preservação sugerido seria o modo de vida das populações ribeirinhas.
Segundo o antropólogo David Cleary, a ocupação rural desordenada em Rondônia e no Acre é a grande ameaça atual à biodiversidade da Amazônia.
O norte-americano Cleary é um dos maiores estudiosos das relações culturais e econômicas na Amazônia. "O modelo geral de ocupação desordenada precisa ser ajustado ao modelo harmônico das populações ribeirinhas".
Cleary disse à Agência Folha que o Acre e Rondônia correm o risco de se transformar no novo "sudeste do Pará". A região sudeste, conhecida hoje pelos conflitos de terra, foi devastada há décadas e substituída por grandes latifúndios de pecuária. Em alguns lugares, a floresta voltou a crescer, formando a chamada mata de juquira, mas muitas espécies nativas de animais e plantas foram perdidas.
Segundo Cleary, hoje, a biodiversidade do sudeste do Pará nem se compara à da Amazônia Oriental (fronteiras com Peru e Bolívia) -a mais rica do mundo. O problema é que Acre e Rondônia estão exatamente nessa área.
"É apenas um alerta, não uma profecia pessimista. Ações governamentais sérias podem acompanhar o desenvolvimento dos fazendeiros e pequenos agricultores", disse ele.
Para o antropólogo, algumas populações ribeirinhas e indígenas da região são o modelo para o desenvolvimento sustentável. "É essa a saída para a ocupação sem acabar com a biodiversidade."
Preservação tradicional
Outros pesquisadores reunidos no simpósio também defenderam a tese de que as populações tradicionais da região (índios e ribeirinhos) influenciam a biodiversidade. Para alguns, essas culturas chegariam a contribuir para aumentar a biodiversidade.
Um dos principais defensores dessa idéia é o antropólogo americano William Balée, que já trabalhou dois anos no museu Goeldi.
Balée estuda os povos antigos que já habitaram a região e diz que sobretudo sua organização espacial contribuiu para as variações da fauna e da flora.
Muitos povos construíam elevações para apoiar suas casas ou para conter as águas dos rios durante a cheia. Os sambaquis (antigos depósitos de montes de conchas, restos de esqueletos e restos de comida) eram os mais comuns.
Com a subida das águas dos rios, havia intenso contato entre os restos orgânicos encontrados nos sambaquis e os animais e plantas carregados pela água.
"É impossível estudar a biodiversidade e suas causas sem considerar essa influência cultural do homem primitivo sobre a floresta", diz Balée.
Segundo ele, raciocínio semelhante pode ser levantado hoje. Balée trabalha atualmente como professor e pesquisador na Universidade de Tulane, em Nova Orleans (EUA).
Urbanização e rios
"As várzeas dos rios da Amazônia estão condenadas a desaparecer a médio e longo prazos. Se nada for feito para controlar a ocupação e a urbanização da Amazônia, a civilização vai matar a várzea e sua rica biodiversidade, como aconteceu com os rios da Índia."
O diagnóstico é do biólogo inglês William Hamilton, especialistas em evolução, que estuda a biodiversidade nas várzeas na região de Tefé -na região central do Amazonas, 540 km a oeste de Manaus.
Hamilton afirmou que os rios amazônicos apresentam alterações de até 12 metros nos níveis de seus leitos entre as estações chuvosa (chamada de "inverno") e seca ("verão"). Submetida a essas variações, a várzea torna-se um ambiente bastante "estressante" para os seres vivos, pois exige que eles se adaptem a situações muito diferentes na alta e na baixa. Isso torna o ecossistema de várzea muito rico na biodiversidade e interessante no aspecto evolutivo.
"A floresta amazônica apresenta a maior biodiversidade do planeta e, por isso, os maiores níveis de evolução, principalmente da flora. Uma das grandes fontes dessa riqueza são as várzeas", disse.
"Além da Amazônia, temos boas várzeas no Congo (África), mas em uma área muito menor, e nada mais. Temos muito que aprender com essa região que apresenta tamanha variedade de espécies animais e vegetais e tão bem adaptadas", declarou Hamilton à Agência Folha.
Garimpo
O antropólogo David Cleary trabalha agora na implantação de um projeto para estudar os efeitos do mercúrio que os garimpos jogam nos rios no sudoeste do Pará.
O grupo coordenado pelo antropólogo pretende apontar, no próximo ano, programas de saúde para as populações ribeirinhas e garimpeiros e métodos alternativos ao uso do mercúrio -metal altamente poluente, que se acumula no organismo e causa problemas neurológicos e até a morte.
Ao longo do rio Tapajós, nos municípios de Jacareacanga, Itaituba, Aveiro e Santarém, há, atualmente, mais de 500 barcos de garimpo nos barrancos. Considerando que não é possível, a curto prazo, retirar os garimpos do Tapajós, Cleary pesquisa como melhorar a relação entre as populações locais e a natureza.
Segundo Cleary, resolvendo-se o problema do mercúrio, a atividade garimpeira nos barrancos não comprometeria a biodiversidade. "Já que o desmatamento é pequeno, a flora -maior fonte do biodiversidade- seria pouco afetada".

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