São Paulo, domingo, 27 de outubro de 1996 |
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Tesouro alagado
FERNANDO GODINHO
Serão engolidos pela água 91 sítios arqueológicos do período pré-histórico e outros 203 posteriores ao ano de 1500. A usina, no rio Tocantins, norte de Goiás, está em fase final de construção. Seu lago, com 1.784 km quadrados (o equivalente às áreas dos municípios de São Paulo e de Belo Horizonte somadas), vai cobrir pelo menos 1.200 espécies vegetais já catalogadas, além de reservas de ouro, nióbio, estanho, chumbo, zinco e manganês. Um paradoxo: essas descobertas só ocorreram após estudos de impacto ambiental realizados por exigência legal e financiados pelas empresas responsáveis pela obra (Furnas e Nacional Energética). Polêmica Uma decisão da Justiça Federal de Tocantins está impedindo o fechamento das comportas da usina, orçada em US$ 1,03 bilhão. "O dano ambiental é indiscutível. Mas, sem a construção da usina, nenhum sítio arqueológico teria sido descoberto", diz a professora e arqueóloga da Universidade Federal de Goiás e coordenadora da pesquisa nos sítios pré-históricos, Dilamar Martins. Para o coordenador da equipe de pesquisa botânica, Bruno Machado Walter, "o dano ambiental será total". Mas ele considera o trabalho cientificamente "positivo", pois está permitindo catalogar a flora da região. "As concentrações minerais não foram pesquisadas de forma adequada. Não se sabe o significado econômico dessas ocorrências", afirma o geólogo e consultor Tadeu Veiga, que participou dos levantamentos feitos na região. O fechamento das comportas também vai praticamente anular a correnteza de 43 km do Tocantins posteriores à barragem, durante cerca de 18 meses. Além disso, os seis últimos remanescentes conhecidos da tribo indígena avá-canoeiro foram retirados da área da inundação. A vida de centenas de animais também será afetada. Segundo Furnas, a região tem representantes de 25% da fauna do cerrado. Algumas espécies, como o tamanduá-bandeira e a onça-pintada, são consideradas em extinção. Segundo Furnas, a usina será indispensável ao atendimento do mercado de energia elétrica nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Embargo judicial A liminar da Justiça Federal do Tocantins foi provocada pelas procuradorias da República no Estado e em Goiás. Os dois Estados dividem o leito do rio Tocantins. No último dia 15 de outubro, o juiz Marcelo Dolzany da Costa confirmou sua liminar já concedida em 28 de setembro passado, condicionando o fechamento das comportas a três exigências. As empresas responsáveis pela obra terão que aguardar o Congresso aprovar um decreto legislativo autorizando o aproveitamento hídrico em reservas indígenas -uma exigência da Constituição. Também deverão conseguir do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) o licenciamento da obra. Por fim, terão que depositar em juízo R$ 16,142 milhões, garantindo a aplicação desses recursos em programas ambientais nos municípios afetados pela barragem. A liminar só será suspensa com o cumprimento dessas exigências. Mas poderá ser derrubada por uma instância judicial superior, como o Tribunal Regional Federal de Brasília. O decreto legislativo já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e tramita no Senado com pedido de urgência. Furnas prepara os documentos para que o Ibama conceda o licenciamento da obra. A cautela exigida pela Justiça deverá ser contestada pelo departamento jurídico de Furnas. Garimpo O avanço do garimpo sobre o leito do Tocantins, que ficará praticamente seco, preocupa as autoridades ambientais de Goiás. A Femago (Fundação Estadual do Meio Ambiente de Goiás) já lacrou 60 dragas que estavam instaladas no leito à frente da barragem. Também foi apreendido mercúrio com os garimpeiros. O presidente da Femago, Clarismino Pereira Júnior, reconhece não ter pessoal suficiente para impedir que os garimpeiros atuem no Tocantins após o fechamento das comportas de Serra da Mesa. Ele quer que a Polícia Florestal de Goiás ceda à Femago cerca de 20 homens para reforçar sua equipe no local, de oito funcionários. "Seria interessante termos também um helicóptero para monitorar a área", afirma Pereira Júnior, que ainda não sabe onde conseguir toda essa infra-estrutura. Texto Anterior: A filosofia míope do capitalismo-cassino Próximo Texto: 'Dano ambiental é inevitável' Índice |
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