São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 1996
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Seguros: é preciso formar profissionais

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Ao longo de 50 anos, até 1986, a atividade seguradora nacional foi uma das mais protegidas do país.
Baseados num sistema de cartas-patentes, por volta de cem grupos dividiam esse segmento, protegidos pela ação do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), que normatizava todas as operações do setor por tarifas únicas comuns, desde as taxas mínimas até o comissionamento dos corretores.
Durante esse período, as seguradoras não precisavam entender de seguros para ganhar dinheiro. Como a retenção da maioria delas era pequena para os riscos assumidos, o que acabava acontecendo é que elas operavam muito mais como corretoras do IRB do que como seguradoras, transferindo a maioria de seus riscos para aquele instituto, que, por força das tarifas por ele impostas, ficava com riscos de baixa sinistralidade, o que lhe permitia pagar generosas comissões para as companhias cedentes.
O resultado dessa situação foi uma distorção profissional grave nos quadros dos securitários. À medida que as tarifas eram únicas e baixadas pelo IRB, não havia motivo para as companhias se preocuparem com a análise dos riscos e dos produtos que ofereciam.
Por outro lado, os brasileiros também não eram muito afeitos a contratar seguros, de forma que as apólices oferecidas supriam as necessidades do país, garantindo um mínimo de cobertura por um máximo de prêmio.
Com a industrialização do Brasil, iniciada em fins dos anos 50, e o seu auge no começo dos anos 70, passou a haver uma defasagem entre as apólices oferecidas e os novos riscos, muito mais sofisticados e até então desconhecidos.
Todavia, no mundo todo a atividade seguradora está entre os setores mais conservadores da economia. Assim, entre a necessidade de novas coberturas e a tomada efetiva de medidas nesse sentido passaram-se dez anos, com 1986 servindo de divisor de águas para o mercado nacional.
Foi a partir desse ano que começou a liberação das tarifas dos seguros de vida, de automóveis e de incêndio e lucros cessantes.
Essa abertura se deu de forma muito rápida e dolorosa para várias seguradoras, que, em poucos anos, por não saberem atuar num mercado livre e competitivo, passaram a perder dinheiro, pelas mudanças do peso específico de cada ramo de seguro, com os seguros de automóveis, de alta sinistralidade, se transformando na maior carteira do mercado.
Embora dez anos seja um prazo razoável, de 86 até agora, quando a atividade no Brasil se encontra diante do seu mais sério desafio -a abertura internacional-, quase nada foi feito para formar mão-de-obra qualificada para suprir as deficiências do antigo sistema de tarifas únicas.
O meu artigo nesta Folha "Os tolos, a teta e os filhotes do chupim", de 26/12/95, analisava o que acontecia na área de formação de mão-de-obra para o mercado segurador. Até hoje continua igual.
A formação de funcionários para o setor de seguros está a cargo de uma fundação, a Funenseg, que recebe vários milhões de dólares por ano, arrancados do preço do seguro obrigatório de automóveis, o DPVAT, e de um fundo especial, criado em cima das comissões dos seguros vultosos.
Apesar de contar com dinheiro mais que suficiente para a sua missão, a Funenseg, que não passa de um enorme cabide de emprego, tendo em seus quadros gente que não sabe o que é seguro, não cumpre a sua tarefa, nem dá indícios de que pretenda vir a cumpri-la.
Se observamos o fax de divulgação das suas atividades, veremos que é capaz de assinar os convênios mais importantes do mundo, com as principais universidades do mundo, mas não faz nada para a formação básica do setor. Que não existe um curso que seja, apenas para confirmar a regra, pensado com inteligência, para preparar corretores e securitários para o dia-a-dia do mercado segurador.
É mais um caso típico do complexo terceiro-mundista que vem condenando o Brasil a não sair do Terceiro Mundo. A Bíblia já ensina que uma casa deve ser construída sobre alicerces fortes. Infelizmente, a Funenseg quer começar pelo telhado. Ou essa postura se modifica ou nós não teremos chance dentro de um mercado aberto.
O Brasil não precisa de pós-graduados em seguros. O que a atividade seguradora nacional necessita são técnicos que saibam o que é seguro, como funciona, para que serve e em que princípios a atividade se baseia.
Para isso, é suficiente a criação de cursos profissionalizantes de nível médio, como acontece nos países onde o seguro tem uma participação significativa na economia. Se a Funenseg não sabe como criá-los, é só se basear nos cursos do Senac e do Senai.

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