São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 1996
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Maluf, o retorno

NEY LIMA FIGUEIREDO

Após perder para Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 84, Maluf passou seis anos disputando eleições majoritárias sem conseguir uma só vitória.
Perdeu em 86, para Orestes Quércia, o governo de São Paulo. Na reta final, em 88, Luiza Erundina, considerada à época um verdadeiro azarão, virou o jogo nas últimas 48 horas antes da eleição paulistana. Em 89, na eleição presidencial, amargou um quinto lugar.
Em todas essas eleições, a taxa de rejeição é que derrotava Maluf. De cada dois eleitores, um não votaria nele.
Para chegar às causas dessa rejeição astronômica, é necessário examinar um pouco da história de Maluf, como foi que ele se projetou na vida política durante o período instituído pelo movimento de 64.
Seu estilo era muito simples, indo direto a quem decidia, não interessando os métodos. Nomeado presidente da Caixa Econômica, em 1967, logo assimilou o direcionamento das forças políticas que passaram a exercer hegemonia na época. Em apenas 12 anos de carreira política, conquistou o governo de São Paulo, por via indireta.
Atuando, portanto, dentro de um espaço político caracterizado pela débil participação de grupos e classes, ele soube marcar sua carreira com um estilo muito característico.
Às vezes, aparentava estar se desviando do poder central, mas fazia isso com grande habilidade, não se afastando dos limites de lealdade ao sistema.
Na medida em que o processo de abertura conduzido pelo general Geisel foi assumindo forma, dando destacada participação à sociedade e maior presença popular nos veículos de comunicação, que voltaram a ter uma certa liberdade, ele foi encontrando dificuldades em colocar a sua mensagem.
Num contexto de abertura, ele se orientou segundo marcos autoritários.
Ao perseguir o mesmo caminho no plano nacional, em 84, na eleição para presidente da República, com a campanha das Diretas na rua, com o povo querendo ter mais participação, tudo começou a parecer uma grande fraude, uma manobra amoral.
Embora, por mérito próprio, Maluf tenha conseguido se posicionar como antinação, um político que recebia a condenação da maior parte da sociedade, os seus adversários e a imprensa trataram de adubar essa imagem negativa.
No livro "Aventura da Reportagem", dos jornalistas Ricardo Kotscho (ex-assessor de imprensa de Lula) e Gilberto Dimenstein, consta uma revelação importante sobre esse fato.
Em síntese, eles contam "que a maioria dos jornais e, em especial, dos jornalistas, entusiasmou-se com a candidatura Tancredo Neves. Ele era visto como intérprete da reação ao regime militar. A principal acusação a Maluf, largamente difundida, era que ele estava comprando os delegados do Colégio Eleitoral, oferecendo-lhes cargos no seu governo".
Essa troca era rigorosamente verdadeira. Só que Tancredo Neves agia da mesma forma, barganhando favores, ministérios, diretorias de bancos estatais etc. Chegou ao ponto de oferecer o mesmo cargo a cinco pretendentes. Mas o grosso da imprensa fechou os olhos. Maluf fazia negociatas; Tancredo, "costura política".
Com o passar do tempo, contudo, os eleitores foram deixando de identificar Maluf com o regime militar, que, inclusive, passou a ser melhor avaliado, após a experiência de governos civis que não melhoraram muito a vida dos brasileiros.
Por outro lado, assessorado por excelentes profissionais, como o jornalista Carlos Brickmann, numa primeira fase, e depois pelo publicitário Duda Mendonça, Maluf começou a adotar uma outra postura, que, a longo prazo, viria a diminuir a sua incrível rejeição.
Humanizar Maluf era o grande desafio. Ao tratar melhor os jornalistas, ao reconhecer que vinha de derrotas perturbadoras, ao lidar francamente com temas como corrupção, sua imagem começou a melhorar, transformando-se na de um ser humano comum, cheio de defeitos, mas também com virtudes a serem consideradas.
Eleito em 92 prefeito de São Paulo, teve a competência de se municiar de pesquisas de opinião e, ao lado de uma assessoria de comunicação eficientíssima, tratou de cuidar de sua imagem desde o primeiro dia de seu governo.
Nessa sua incrível história de reabilitação política, não existem truques nem mágicas, mas sim um trabalho profissional e competente, que utilizou as ferramentas que estão à disposição de qualquer político que tenha capacidade e discernimento de compreender as forças que atuam numa sociedade democrática.

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