São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 1996
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Qualquer semelhança...

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Um integrante da equipe econômica do governo rebateu nos seguintes termos as críticas à política cambial: "É verdade que a moeda se apreciou, mas esse fato está longe de significar que tenha ocorrido uma forte sobrevalorização. Isso depende do nível de equilíbrio da taxa de câmbio real, que é difícil de calcular. A apreciação é uma consequência natural, e não necessariamente negativa, do processo de reformas."
Além disso, observou que, "nos anos recentes, tem prevalecido uma alta taxa de crescimento da produtividade; desse modo, a apreciação não significa necessariamente uma perda geral de competitividade."
Quem vocês imaginam que poderia ter feito essas considerações? Dou-lhes uma, dou-lhes duas... Pedro Malan? Gustavo Loyola? Ou, mais provavelmente, o indefectível Gustavo Franco?
Nada disso. Vejam vocês: trata-se de Guillermo Ortiz, alto funcionário do Ministério das Finanças do México, por ocasião de conferência internacional realizada em outubro de 93.
Isso era o que dizia o economista do governo mexicano pouco mais de um ano antes do colapso cambial que levaria a economia mexicana a uma brutal recessão, mais intensa do que a provocada pela crise da dívida externa no início dos anos 80.
Outra coincidência curiosa: o ilustre tecnocrata procurava, naquele momento, rebater trabalho apresentado por Rudiger Dornbusch, o mesmo que andou recentemente turvando a imagem do Brasil no exterior.
Naquela ocasião, Dornbusch argumentava que a combinação de valorização cambial, altas taxas de juro e restrição fiscal estava conduzindo a baixas taxas de crescimento para a economia mexicana.
"A liberalização comercial", lembrava, "requer tipicamente depreciação real para evitar grandes desequilíbrios e perda de crescimento."
Mais uma semelhança intrigante: no ano fatídico de 94, o México recebeu um recorde de US$ 8 bilhões em investimentos diretos estrangeiros, o que não impediu a eclosão da crise cambial em dezembro daquele ano.
Relatório da OCDE, publicado em 95, recorda que esse fato era visto como "muito positivo" pelas autoridades mexicanas, "uma vez que o investimento direto não está sujeito a mudanças bruscas no sentimento dos investidores e não é, portanto, volátil". Não obstante, continua o relatório, "a dimensão dos investimentos de portfólio nos anos anteriores criou uma situação de vulnerabilidade a mudanças nas percepções dos mercados financeiros."
Como se sabe, os tecnocratas brasileiros, além de recorrer a sofismas e evasivas rigorosamente idênticos aos de Ortiz, também vêm fazendo grande alarido em torno do nível recorde de investimentos diretos estrangeiros no Brasil, que podem alcançar US$ 8 bilhões em 96.
Bem. A esta altura, o leitor patriótico poderá estar se perguntando se não há também diferenças importantes entre o Brasil e o México. Sem dúvida, sem dúvida. Por exemplo: o nosso desequilíbrio em conta corrente (ainda) não alcançou os níveis registrados pelo México antes da "débâcle".
Em 96, o déficit em conta corrente no balanço de pagamentos do Brasil deve ficar em torno de US$ 20 bilhões, o equivalente a cerca de 40% das exportações. No caso do México, o déficit anual foi de US$ 29 bilhões em 94, correspondendo a 83% das exportações.
Por outro lado, é um equívoco imaginar que todas as diferenças são favoráveis ao Brasil. A julgar pelos dados disponíveis, o México foi mais bem-sucedido em matéria de ajuste fiscal. Em 91-94, o setor público consolidado do México registrou superávit médio de 1,3% do PIB.
Já o Brasil, depois de ter permitido uma forte deterioração dos resultados fiscais em 95, vem atravessando 96 sem demonstrar nenhum progresso nesse campo até agora.
Dados divulgados nesta semana pelo Banco Central mostram que, de janeiro a agosto, o déficit público consolidado aumentou relativamente ao registrado em igual período de 95. No conceito nominal, o déficit aumentou de 6,2% para 6,4% do PIB. No conceito operacional (que exclui a correção monetária), de 3,3% para 3,9% do PIB. No conceito primário (que exclui os juros), de um superávit de 1,7% para um déficit de 0,1% do PIB.
Mas nada disso precisa abalar a tranquilidade da equipe econômica brasileira. Na América Latina, a defesa de teses estapafúrdias e até mesmo a participação em desastres de política econômica não constituem obstáculos intransponíveis a uma carreira de sucesso.
Guillermo Ortiz é hoje ministro das Finanças do México.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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