São Paulo, quinta-feira, 31 de outubro de 1996
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As bactérias

ROMERO JUCÁ

O poder público é o maior responsável pela qualidade de vida da população, em especial dos segmentos mais pobres. Quanto menos desenvolvida a região, mais importante é o papel do Estado na vida dos cidadãos. Isso dá aos governantes uma enorme responsabilidade.
Em Roraima, o governo do Estado é fundamental na vida da população. Em alguns casos, na vida e na morte. O governo detém cerca de 90% dos recursos que circulam no Estado, o que acentua seu papel de indutor do processo de desenvolvimento. Quanto mais competente, quanto maior a visão estratégica de investimento do Estado, melhor será a qualidade de vida dos roraimenses.
Esse deveria ser o compromisso público do governo de Roraima: desenvolvimento social aliado ao crescimento econômico. A indução do progresso, da melhoria de vida, da liberdade.
Infelizmente, a partir de 1990, a prática do governo de Roraima tem sido outra.
Roraima involuiu nos índices econômicos. Pior ainda, os índices sociais também regrediram. A qualidade de vida piorou, a população empobreceu, a expectativa de vida decaiu desde 1990, até ser colocada a nocaute com a tragédia da maternidade Nossa Senhora de Nazaré.
A morte das crianças recém-nascidas coloca a nu as duas últimas administrações de Roraima. É uma tragédia anunciada e previsível. O governo do Estado tenta manipular as informações, distorcer os fatos e buscar saídas que não punam os verdadeiros responsáveis pelas mortes e pelo sofrimento de dezenas de pais e mães.
Numa manobra simplista, míope, tecnicista e cínica, procura-se apenas descobrir qual foi a bactéria que matou as crianças e deixou Roraima de luto.
Isso é importante para evitar mais mortes, mas não descobrirá os verdadeiros culpados. As bactérias que mataram as crianças são outras. São duas bactérias assassinas, conhecidas do povo de Roraima. Atendem pelos nomes de politicagem e irresponsabilidade. E não mataram só os 33 recém-nascidos -mais de 200 crianças morreram em Roraima este ano, por mau atendimento, erros e omissões. Enfim, vítimas do desgoverno.
As crianças de Roraima começaram a morrer quando a politicagem começou a trazer milhares de famílias para o Estado sem a necessária infra-estrutura econômica e social. Ninguém é contra trazer pessoas para Roraima. Mas trazer pessoas não é simplesmente aumentar o número de eleitores. As pessoas precisam de emprego, moradia, educação, segurança e saúde.
É como colocar mais gente dentro de um só barco. Chega uma hora em que o barco afunda. A saúde de Roraima afundou! A bactéria da politicagem criou o caldo de cultura necessário para que a segunda bactéria, a da irresponsabilidade, desferisse seu golpe mortal.
O secretário de Saúde de Roraima não é médico nem sabe o que é infecção hospitalar. Uma diretora da maternidade deixou suas responsabilidades para se eleger vereadora. A empresa contratada para fazer a limpeza do hospital pertence a um deputado do partido do governador. A diretoria do hospital diz que essa empresa não tem experiência e conhecimento técnico para realizar os serviços pelos quais recebe do Estado. O gerador de energia não funcionava. A fossa transbordava.
Dinheiro havia. O governo do Estado recebeu recentemente R$ 16 milhões da Caixa Econômica Federal. Não houve foi a prioridade de aplicar um pouco na saúde de Roraima e na manutenção da maternidade: no conserto do gerador, na desinfecção, na aquisição de medicamentos, de material hospitalar, de equipamentos e de produtos de higiene e limpeza.
As famílias enlutadas, toda a sociedade de Roraima e o Brasil querem a investigação real dos fatos e a punição dos responsáveis pelos assassinatos.
As bactérias da politicagem e da irresponsabilidade precisam ser identificadas e combatidas com o antibiótico da verdade e da justiça. São bactérias resistentes, mas o povo de Roraima acredita na eficácia do remédio.
Essa é uma luta de vida ou morte para o organismo social do Estado. Se as bactérias da politicagem e da irresponsabilidade vencerem, elas se multiplicarão. E pior: terão nesse processo criado mais uma bactéria, que fustigará o Estado de Roraima -a bactéria da impunidade.

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