São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996 |
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MONTE SANTO; A IGREJA NOVA; O MONSTRO
DE MODO A MONTE SANTOI É que em um de seus flancos, escritas em caligrafia ciclópica com grandes pedras arrumadas, apareciam letras singulares -um A, um L e um S- ladeadas por uma cruz, fazerem crer que estava ali e não avante, para o ocidente ou para o sul, o eldorado apetecido. II E fez-se o templo prodigioso, monumento erguido pela natureza e pela fé, mais alto que as mais altas catedrais da terra. III Amparada por muros capeados; calcada, em certos trechos; tendo, noutros, como leito, a rocha viva talhada em degraus, ou rampeada, aquela estrada branca, de quartzito, onde ressoam, há cem anos, as litanias das procissões da quaresma e têm passado legiões de penitentes, é um prodígio IV A religiosidade ingênua dos matutos ali talhou, em milhares de degraus, coleante, em caracol pelas ladeiras sucessivas, aquela vereda branca de sílica, longa de mais de dois quilômetros, como se construísse uma estrada para os céus... A IGREJA NOVA A antiga capela não bastava. Mal sobranceava os colmos achatados. Começou a erigir-se a igreja nova. Delineara-a o próprio Conselheiro, sem módulos, sem proporções, sem regras. Frisos grosseiros e volutas impossíveis cabriolando num delírio de curvas incorretas. Era sua obra-prima. Ali passava os dias, sobre os andaimes altos e bailéus bamboantes. O povo enxameando embaixo estremecia muita vez ao vê-lo passar, lentamente, sobre as tábuas flexuosas e oscilantes, impassível, sem um tremor no rosto bronzeado e rígido, feito uma cariátide errante sobre o edifício monstruoso. O MONSTRO Todo o exército repousava... Nisto, despontam, cautos, emergindo à ourela na clareira, no alto, onde estaciona a artilharia, doze rostos inquietos, olhares felinos, rápidos, percorrendo todos os pontos. Doze rostos apenas nos tufos das bromélias. Surgem lentamente. Ninguém os vê; ninguém os pode ver. Dão-lhes as costas com indiferença soberana vinte batalhões tranquilos. Adiante divisam a presa cobiçada. Como um animal fantástico, prestes a um bote repentino, o canhão Withworth, a matadeira, empina-se no reparo sólido. Volta para Belo Monte a boca truculenta e rugidora que tantas granadas revessou já sobre as igrejas sacrossantas. Caem-lhe sobre o dorso luzidio e negro os raios do Sol, ajaezando-a de lampejos. Os fanáticos contemplam-na algum tempo. Aprumam-se depois à borda da clareira. Arrojam-se sobre o monstro. Assaltam-no; aferram-no; jugulam-no. Um traz uma alavanca rígida. Ergue-a num gesto ameaçador e rápido... E a pancada bate, estrídula e alta, retinindo... E um brado de alarma estala na mudez universal das coisas; multiplica-se nas quebradas; enche o espaço todo; e detona em ecos que atroando os vales ressaltam pelos morros numa vibração triunfal e estrugidora, sacudindo num repelão violento o acampamento inteiro... EUCLIDES DA CUNHA/AUGUSTO DE CAMPOS Texto Anterior: TRANSERTÕES Próximo Texto: SOLDADO; OS CRENTES; TOCAIA; RODEIO; O ATIRADOR; CANUDOS-IDUMÉIA; CABEÇAS-DE-FRADE; DODECASSÍLABOS Índice |
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