São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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"Vou ligar na mão... Deixa que vai dar"

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Desligou de novo. Vou ligar na mão. (...) Deixa que vai dar. Nós vamos nos sair dessa."
A voz ouvida na gravação da caixa-preta é do comandante José Antonio Moreno.
Ele acreditava até o último momento que o problema técnico do Fokker-100 da TAM -que caiu na quinta-feira, matando 98 pessoas- estava no desligamento injustificado da turbina direita.
Segundo os trechos da gravação que a Folha obteve junto à Aeronáutica, Moreno procurou religar a turbina três vezes.
O diálogo registrado na caixa-preta indica que ele desconhecia a causa do desligamento. A hipótese mais provável é que o reverso daquela turbina tenha entrado em funcionamento.
Quando isso ocorre já em vôo, a turbina se desliga. Mas o acionamento indevido do reverso não é indicado por nenhum alarme específico no painel de comando do Fokker-100.
O reverso da turbina funciona como um freio e deve ser usado somente após o pouso.
Uma lâmpada especial para esse tipo de pane está prevista por outros fabricantes de aeronaves, como as norte-americanas Douglas e Boeing.
O Fokker decolou pelas mãos do co-piloto, Ricardo Luis Gomes. Em seguida, ouve-se no registro da caixa-preta a voz do comandante Moreno pronunciando a frase "Passa pra mim".
É o indício de que ambos perceberam a paralisação da turbina direita, e que Moreno obedecia os procedimentos internacionais que lhe atribuíam, como piloto mais experiente, as decisões seguintes.
"Estou acelerando a turbina direita, que desligou", diz em seguida o comandante. Segue-se, no entanto, um novo desligamento.
Mais uma vez, provavelmente com o reverso aberto, a turbina cai para "potência zero", segundo o jargão técnico da aviação.
O fato é que o comandante não compreendia a razão desse novo desligamento. Da cabine, não há como controlar, visualmente, o que ocorre na parte externa traseira do avião.
Ele tentaria uma terceira vez. Diante do insucesso, Moreno decide manter o dedo no botão que força a turbina a continuar em funcionamento.
Sua preocupação era com a perda de potência. A decolagem estava comprometida. O Fokker-100 começava a perder altura.
Com a confusão criada pelo imprevisto, Moreno e seu co-piloto não recolheram o trem de pouso.
Naquele avião, a roda não recolhida afeta o centro de gravidade. Ou seja, há um novo fator de comprometimento da decolagem.
"Deixa que vai dar. Nós vamos sair dessa. Deixa que vai dar."
Seguem-se um a três segundos de silêncio. Novamente a voz de Moreno: "Vai dar, vai dar."
O Fokker perdia altura. O comandante sabia que estava para cair.
"Meu Deus!!!"
A fita da caixa-preta está em branco a partir desse momento.

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