São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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Não basta ser pai

LUÍS PAULO ROSENBERG

A entrevista de Pérsio Arida no "Estadão" de domingo passado traz de volta ao debate econômico um dos mais privilegiados talentos da nossa geração de economistas. Depois de ano e meio em silêncio, Pérsio vem dar seu recado.
Trabalha bem ao tranquilizar os afoitos que já vêem o fim do Real, assassinado pela bolha da questão fiscal não resolvida. Arida explica com clareza que os tempos macroeconômicos são mais tolerantes do que se imagina, a dívida pública ainda é reduzida e há tempo para agir.
Presta outro serviço à pátria quando coloca o peso da sua opinião a favor da liberação da gestão de fundos de trabalhadores da tutela estatal e da privatização selvagem de estatais federais e estaduais.
Compreensivelmente, não consegue furtar-se à defesa de duas teses controversas: a de que agiu adequadamente, enquanto presidente do Banco Central, ao intervir no Banespa, mesmo sem ter uma clara estratégia de ação e nem ao menos combinado algo com os beques do governo Covas.
A outra tese é de que a reeleição de FHC é "absolutamente fundamental para consolidação do plano de estabilização". Fico imaginando como devem se sentir Tasso Jereissatti, Mário Covas ou Eduardo Azeredo -possíveis candidatos presidenciais do PSDB- ao lerem a opinião de que, se eleitos, nas mãos deles o programa de estabilização iria para a cucuia. Por outro lado, temos que respeitar a opinião de Pérsio: afinal, quem melhor do que um intelectual da direção do PSDB para saber o real valor dos demais membros do seu partido?
Onde, infelizmente, nosso querido colega mete os pés pelas mãos é na seguinte sequência de pensamento:
- Não só os fluxos anuais de receitas e despesas públicas sinalizam uma piora no quadro fiscal do Brasil. Há um processo de transferência de dívidas estaduais para o governo federal que agrava as perspectivas de saneamento das contas públicas.
- Sobre a questão cambial, Pérsio não quer falar, o que é estranho. Mas parece acreditar que a redução do "custo Brasil" é o caminho da manutenção da competitividade do empresário nacional.
- Ora, se existe rigidez fiscal, não se deve desvalorizar o câmbio, e se a economia estiver mesmo aquecida, há que mobilizar a arma recessiva da elevação das taxas de juros. Donde a manchete explosiva do "Estadão", com Pérsio exigindo recessão.
Justiça seja feita: Arida revela claramente que não está convencido de que a economia esteja aquecida nem que a balança comercial esteja em deterioração irreversível.
Mesmo assim, seu raciocínio merece um reparo importante: a tese de que existe uma irredutível rigidez fiscal, portanto, é no lado monetário que se deve concentrar a ação estabilizadora do governo.
Este, na verdade, é o pecado original do Real. A equipe econômica sempre esteve disposta a aceitar como parte natural do jogo político a deterioração fiscal provocada por todas as concessões de FHC a parlamentares e governadores, bem como as suas manifestações de dubiedade, fraqueza, vacilo e em-cima-de-murismo.
Com a mesma naturalidade valem o teorema já provado na gestão Marcílio Marques Moreira à frente da Fazenda: desde que não se leve em conta o custo social, há sempre uma taxa de juros real tão extorsivamente elevada que a sedução dos poupadores aos rendimentos fantásticos anula a ansiedade por bem-estar dos consumidores.
Em suma, é mais fácil praticar juros mortíferos -o instrumento de aniquilação do setor privado, a curto prazo, e do próprio setor público, a médio prazo- do que mobilizar-se para o bom combate de atacar de frente a questão fiscal. Isso é imperdoável, pois um governo habilita-se como divisor de águas justamente quando tem a coragem de flexibilizar a rigidez que parecia intransponível.
Felizmente, se Arida analisar cuidadosamente os últimos passos do governo, verificará que as teses de redução do "custo Brasil" e de enfrentamento do gasto público excessivo começam a ser implementadas. Ao contrário do que afirma, o superávit primário continua positivo, principalmente se for levada em conta a explicação de esqueletos escondidos nos armários de déficits do passado.
É por aí que passa o sucesso do Real: adquirindo a convicção de que é preciso agir para dentro do Executivo e do Congresso sobre a questão fiscal e não subindo juros e mandando a conta para famílias e empresários.
Em matéria de programa de estabilização, não basta ser pai; é preciso participar.

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