São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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Pernambuco reencontra beleza do cangaço

INÁCIO ARAUJO
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Enquanto Brasília esperava o resultado da premiação (a ser anunciada ontem à noite), sentia-se que o tom do festival havia mudado nos últimos dias.
Primeiro foi Tata Amaral, no sábado, com "Um Céu de Estrelas", de um vigor quase escandaloso.
Domingo, Pernambuco mostrou que não veio só para brilhar. Em certo sentido, "O Baile Perfumado", dos estreantes Paulo Caldas e Lírio Ferreira, exige que a maior parte dos realizadores percebam que algo está mudando profundamente na produção brasileira.
O filme é uma revisão do cangaço, a partir da aventura do libanês Benjamin Abraão, autor da histórica filmagem do grupo de Lampião, nos anos 30.
Bandito mesmo
Passa, e leva em conta, uma tradição que tem em seu currículo "O Cangaceiro" (1954) e "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964).
Mas a visão é bem outra: "Nós pensamos em desenvolver uma temática regional, mas querendo enfatizar Lampião como um bandido mesmo, e sobretudo o cotidiano desse banditismo".
À moda de Howard Hawks -que apreciava essas revisões- o filme impressiona pela precisão e pela cerebralidade.
E também pelo escrúpulo. "O Baile" começa pela busca (com o historiador Frederico Pernambucano) de uma idéia sobre Lampião e o cangaço.
Prossegue com um insano trabalho fonético: o reencontro do falar pernambucano dos anos 30 (mais cheio de altos e baixos que o atual, segundo o ator Aramis Trindade -que faz um primoroso tenente da Volante).
Daí resulta uma dialogação viva, informativa e, sonoramente, riquíssima.
Esse trabalho passa ainda por com dois meses dedicados apenas à decupagem (momento da direção em que se divide cada cena em tomadas e ângulos de câmera). Momento essencial, segundo Caldas, para que, de duas cabeças (dele e do outro diretor, Lírio Ferreira), surgisse apenas um olhar.
O resultado é quase espantoso. Pernambuco não produzia um longa desde 1977. Sua glória cinematográfica deteve-se na era muda, durante o chamado ciclo pernambucano.
Daí certas vantagens, como o empenho, que se sente tão raramente, hoje, nos filmes paulistas e cariocas.
Exemplo: do ator principal (Duda Mamberti, filho de Sergio), passando pelos coadjuvantes (a começar de Aramis Trindade, o tenente, Luis Carlos Vasconcelos, Lampião, e Claudio Mamberti, o coronel João Libório), até os extras, todos estão no mesmo compasso, no mínimo corretos. Não é todo dia que se vê isso.
Cada plano procura conter uma idéia. Evita-se filmar às cegas. Às vezes, a idéia não é boa, o que resulta em planos um tanto pernósticos, que só servem para que o espectador se distraia da ação e dos diálogos.
Mas isso é um problema mínimo face às virtudes abundantes desse filme, do qual se sai com a sensação de ter ganho alguma coisa.
É uma pena que o segundo filme do domingo, "Olhos de Vampa", tenha transmitido a sensação exatamente oposta.
Esperava-se muito do segundo filme de Walter Rogério, que havia estreado tão bem com "O Beijo", exibido em 1994.
A decepção que se anuncia nos primeiros minutos de certo modo se arrasta até o final.
Decepção tanto maior quanto Rogério é um cineasta talentoso, culto e inteligente.
Ou quase todo: alguns closes de Joel Barcellos, uns 30 segundos de filme, são sublimes. Mas não salvam a pátria: Walter Rogério devia esquecer que, um dia, cometeu tamanha bobagem.

O jornalista Inácio Araujo viaja a convite da organização do festival.

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