São Paulo, terça-feira, 5 de novembro de 1996
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'Cores Primárias' mostra Clinton 'amoral'

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O romance "Cores Primárias" ("Primary Colors"), escrito nos EUA por um anônimo (depois identificado), foi traduzido para o português por um pseudônimo (agora revelado).
Um trio de diplomatas brasileiros é o José Modesto que assina a tradução do livro do jornalista Joe Klein.
Bernardo Pericás, embaixador do Brasil em Bruxelas, Jório Dauster, embaixador junto à Comunidade Européia, sediada também em Bruxelas, e Henrique Valle, embaixador alterno junto à Organização das Nações Unidas em Nova York, fizeram um trabalho conjunto de excelente nível.
"Cores Primárias", editado pela prestigiosa Random House, vendeu 550 mil cópias em um mês após seu lançamento e 1,2 milhão no total da edição de capa dura.
O autor vendeu por US$ 1,3 milhão os direitos para o cinema ao diretor Mike Nichols (Oscar de 1967 pelo filme "A Primeira Noite de um Homem", estrelado por Dustin Hoffman e Anne Bancroft).
A edição em capa mole, editada pela Warner Bros., que pagou US$ 1,5 milhão pela exclusividade, saiu nos EUA em outubro, às vésperas da eleição presidencial norte-americana.
A Companhia das Letras, responsável por uma das primeiras das 21 edições do livro fora dos EUA já acertadas com a Random House, também está aproveitando o gancho da eleição para lançar o romance, que é a história ficcionalizada da campanha de Bill Clinton à Presidência em 1992.
Klein cobriu o dia-a-dia da campanha do então governador de Arkansas para a revista semanal "Newsweek", a segunda maior do país. Ganhou a confiança do candidato e penetrou na intimidade do grupo.
Mais tarde, antes de o livro ser lançado, Klein perdeu as boas graças com o já presidente, devido aos muitos e pesados ataques que fazia a Clinton na coluna semanal que passara a assinar na mesma revista.
O livro é muito saboroso e bem escrito. Não se faz nenhum esforço para ocultar a verdadeira identidade dos personagens principais: o governador Jack Stanton, amante de doughnuts e mulheres, a primeira-dama Susan, voluntariosa e assertiva (no cinema, eles serão vividos por John Travolta e Emma Thompson, esta ainda sujeita a confirmação final).
O único personagem um pouco modificado no livro em relação à realidade é o assessor George Stephanopoulos, que, Henry Burton no romance, é descendente de negros em vez de gregos.
Os outros são descaradamente calcados em James Carville (Richard Jemmons), Mario Cuomo (Orlando Ozio), Gennifer Flowers (Cashmere McLeod) e outros.
Muitas das sutilezas humorísticas da história talvez passem despercebidas pelos leitores brasileiros que não acompanham o cotidiano da saga dos Clintons e de seu "entourage".
Mas eles nem por isso vão deixar de aproveitar os vários lances engraçados, que, infelizmente, diminuem ao final do livro, quando o autor parece ter sentido a obrigação de transmitir algum tipo de mensagem moral como fecho do trabalho.
Essa seriedade conclusiva era perfeitamente dispensável, inclusive porque a revelação do nome do autor (admitida depois que uma grafóloga, a pedido do jornal "The Washington Post", comparou notas manuscritas no original do livro com documentos também manuscritos de Klein) e os debates que se seguiram a sua admissão da autoria mostraram que o amoralismo não foi a nota apenas da campanha de Clinton, mas também do relato de seu cronista.
Para quem gosta de visualizar a vida dos poderosos em toda a sua crueza por vezes devassa, quem se interessa por política norte-americana, quem curte um pouco delírios faustianos contemporâneos ou investigações naturalistas sobre os limites do cinismo humano, "Cores Primárias" é uma pedida de bom tamanho, ideal para um fim-de-semana de verão na praia.

Livro: Cores Primárias
Autor: Anônimo
Quanto: R$ 27 (430 págs.)

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