São Paulo, sábado, 9 de novembro de 1996
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"A Céu Aberto" ilumina a escuridão de João Gilberto Noll

BERNARDO AJZENBERG
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Chega às livrarias neste fim-de-semana o romance "A Céu Aberto", oitavo livro do escritor gaúcho João Gilberto Noll.
Considerado um dos mais importantes ficcionistas brasileiros da atualidade, Noll, 50, vem de passar um mês na Universidade de Berkeley (EUA) como escritor-visitante e retorna ao Brasil nesta segunda-feira.
Nascido em Porto Alegre, Noll licenciou-se em Letras pela UFRG e estreou na literatura em 1980 com um livro de contos premiado ("O Cego e a Dançarina"), seguido de seis romances.
Em entrevista concedida à Folha por telefone, de Berkeley, Noll fala de seu sétimo romance, do conjunto de sua obra, expõe sua paixão pela poesia e anuncia um novo projeto ligado ao que ele chama de "ensaios poéticos".
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Folha - Após um primeiro livro de contos bem-recebido, vieram sete romances. Por que o abandono do conto como gênero literário?
João Gilberto Noll - Não abandonei o conto totalmente. Tenho escrito esporadicamente, a convite. Mas, de fato, de uns tempos para cá tenho preferido a narrativa longa. O conto se liga muito ao lampejo poético, o que antes me causava mais frisson do que hoje. O romance tem mais tempos mortos, e eu sempre procuro, nos meus livros, esgarçar as possibilidades desses tempos mortos, fazer disso uma espécie de liturgia.
Folha - Nos livros anteriores, as ações se passavam no Rio, Porto Alegre etc. Em "Harmada" (1993) e agora em "A Céu Aberto", o sr. abandonou o nome das cidades.
Noll - Acho que faz parte, não de uma evolução no sentido de aprimoramento, mas de um trajeto. Deixei de lado um certo hiperrealismo, no sentido de citar nomes de rua, das geografias. Me despojei disso. Queria um teatro dentro do romance, em termos de instantaneidade, presentificação. Acho que estou ganhando em capacidade alegórica e que houve até uma radicalização entre "Harmada" e o novo livro. Isso reflete também uma homogeneização pictórica do nosso tempo, no que pode ter de bom ou ruim.
Folha - "A Céu Aberto" revela um apuro maior com as palavras, seu som, seu encadeamento, está mais próximo de uma prosa poética do que os outros livros.
Noll - É verdade. Ele tem um trabalho poético demorado, a pontuação foi bastante trabalhada. Escrevo à mão, e quando escrevo, o que sai tem a ver até com a minha circulação, a respiração. Em alguns momentos que escrevo, sinto uma sofreguidão, fisicamente. A mão acompanha isso e a pontuação do texto também.
Folha - Em "A Fúria do Corpo" (1981) essa pontuação iconoclasta aparecia até demais.
Noll - Sim, mas era início dos anos 80, havia um espírito de recriação radical dos elementos narrativos. Hoje eu não procuro muito isso. Na pontuação, por exemplo, busco uma fidelidade canina a certos princípios orgânicos que você não pode repudiar só porque está fazendo literatura. A literatura trabalha com isso também. É só isso. Não tenho nenhum espírito vanguardeiro a me nortear.
Folha - O que o norteia?
Noll - Posso até ser visto por alguns como um escritor intimista, mas procuro me rebelar contra essa possibilidade. Me preocupam os aspectos intrincados da subjetividade, da alma e tal, mas o que eu quero realmente fazer é um afresco do tempo em que estamos vivendo. As longas peregrinações dos heróis balzaquianos ou flaubertianos do século 19 são impossíveis hoje. Ninguém mais tem o tempo ideal para acompanhar isso. No novo livro jogo muito com essas duas forças quase opostas: a impossibilidade de tempo neste fim de século e a sedução pela instantaneidade. Um dos desejos do fazer poético é alcançar a possibilidade da coagulação, o êxtase, ter a pujança existencial num único grito, o que o Octávio Paz chama de "a consagração do instante".
Folha - O sr., então, não faz o chamado "plano de vôo" para seus livros?
Noll - Não faço, não. Sai de um modo litúrgico, procuro abraçar certos momentos de palpitação. Não interessa muito o fluxo insensato de um dia após o outro. Me interessa o momento coagulado. O romance também se esvai, é claro, a duração do tempo também exaure, daí talvez o final do livro, meio enigmático para mim mesmo. Mas, também não procuro decifrar tudo o que escrevo, não. Preciso de uma certa escuridão.

LEIA MAIS sobre "A Céu Aberto", de João Gilberto Noll à pág. 4-7

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