São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Câmbio e modernização

LUÍS NASSIF

É um governo esquizofrênico.
Ao mesmo tempo em que inova em muitas áreas, procura aprimorar questões estruturais relevantes, implanta novas formas de política social, nos campos cambial, monetário e fiscal ainda não conseguiu definir maneiras minimamente modernas de atuar no novo paradigma da economia.
A questão do câmbio é expressiva. A atual defasagem cambial é fruto de erros sucessivos. Tratou-se o erro com explicações em vez de soluções.
Tomou-se uma série de medidas visando estimular as exportações. Essas medidas não têm obtido resultados concretos, mas continuam sendo utilizadas como álibis para adiar o enfrentamento do problema.
No entanto, não há nem estudos nem fórmulas que permitam o mínimo controle ou estimativa sobre os seguintes fatores:
1) Quanto tempo será necessário para a isenção do ICMS estimular as exportações, e qual será o efeito sobre o valor exportado?
2) Qual será o efeito sobre as exportações das novas linhas de crédito do BNDES? O governo não conseguiu controlar o único fator sobre o qual teria, teoricamente, controle: o prazo para o dinheiro chegar às mãos do exportador após a criação da linha.
3) Quanto tempo levará para o efetivo barateamento do "custo Brasil", com as reformas em vigor, refletir-se nas exportações, quando se sabe que há o fator gerencial, de implementação das reformas, que é uma incógnita?
Com grau de incerteza dessa ordem, é rematada imprudência não enfrentar de uma vez o problema -ainda mais sabendo-se que o saldo em transações correntes é um dos indicadores a receber maior atenção da parte dos investidores externos.
Tem-se economia travada, exportadores que realizaram notáveis esforços de produtividade e não conseguem fazer sua operação rentável, desemprego industrial mantendo-se semana após semana -não respeitando nem a sazonalidade de fim de ano. E as explicações se renovando.
O presidente que acredita (com razão) que a economia é um processo não conseguiu transferir a sofisticação de sua análise social para o campo econômico.
Continua preso à ideologia dos pacoteiros, reduzindo uma realidade complexa a duas ou três simplificações, recheadas de citações de autores estrangeiros, sem se debruçar sobre a realidade.
Por exemplo:
* Não se precisa mexer no câmbio porque ganhos de produtividade são suficientes para resolver a questão da competitividade das exportações.
São declarações genéricas, sem o trabalho de avaliar objetivamente que tipo de ganho de produtividade se pode obter comparado às perdas do câmbio.
* Há que resolver a questão do déficit público a qualquer preço.
O secretário do Tesouro administra na boca do caixa. Todo mês chama os ministérios, define cortes a seu talante, adia pagamentos, negocia. Impede qualquer planejamento.
Independentemente do tamanho dos cortes, o simples fato de não conseguir planejar minimamente seu fluxo de caixa desorganiza completamente os investimentos públicos. É um fantástico fator de desperdício. No entanto, ao pacoteiro só interessa o número, não a qualidade do processo.
* Qualquer política industrial é, por definição, protecionista.
O país atravessa mudanças portentosas, abrindo possibilidades para inúmeras formas de intervenção inteligente do governo na economia, e esses gênios continuam presos a um paradigma sepultado desde que Collor acabou com a reserva de mercado.
Reorganização da poupança, desenvolvimento regional, adensamento da cadeia produtiva, reestruturação competitiva, tudo é colocado no mesmo balaio. Toda política industrial é protecionista -e pronto, nada mais se diz, nem lhes é perguntado.
Há um mundo riquíssimo e complexo a ser analisado e construído. Passa pela definição de relações comerciais com parceiros econômicos, desenvolvimento regional, programas de fortalecimento (ou adensamento) da cadeia produtiva, maneiras de reorganizar a poupança.
Em suma, a parte nobre da discussão reside nesses aspectos técnicos, complexos, em como operacionalizá-los, e não nas generalidades -importantes apenas no início da grande discussão sobre a abertura da economia.
Mas não as generalidades que conduzem o debate e acabam fazendo com que o meio -o câmbio- seja mais importante que o fim -a promoção do desenvolvimento e a construção de indicadores econômicos equilibrados.

Texto Anterior: Ações da Ceterp são valorizadas em 69%
Próximo Texto: Supermercados abrem domingo em MG
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.