São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 1996
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Alianças e incestos eleitorais

CANDIDO MENDES

A primeira rodada das eleições municipais mostrou o quanto amadurecemos no processo eleitoral. Ganhamos uma indiscutível consciência-cidadã, que vota pelo que viu no trabalho dos prefeitos, se merecem ou não a continuidade. Foram-se tanto o pseudovoto ideológico, descabido nessa área, quanto o de clientela, só interessado nas vantagens diretas prometidas por uma patota que chegue ao poder.
Diante do dilema no segundo turno, a repescagem dos perdedores brande o voto útil, pregando a escolha insatisfeita entre os finalistas a, pelo menos, evitar um "mal maior".
Nessas estratégias, continua teimosa a crença dos caciques políticos nos prodígios da costura nesses alinhavos, juntando qualquer pano ou retalho de opção de voto. Há laivos de identidade, perfis claros de programa e tendência, clivagens de decisão que rejeitam o "cola-tudo" dessas alianças. A cidadania emergente sabe o que são coligações até à beira do intolerável e incestos políticos no casamento impossível de nomes e legendas.
A aliança que repugna, de fato, no segundo turno, é a que se faz contra as expectativas do situacionismo e sua oposição no município, inscrita numa dicotomia essencial da tradição política brasileira. Em todo o nosso interior, cada grupo conhece a linha divisória irrevogável de pactos de apoio e do que é conjuntamente impossível.
Já no quadro nacional, os grandes rumos ficam por conta do pró e contra os caminhos da globalização, na alternativa que se abre entre o capitalismo desenvolto e plenário e a social-democracia merecedora de sua legenda e de sua responsabilidade, escondida sob o charme do presidente.
No embate imediato, vai a esquerda na defesa do papel essencial do Estado na correção dos desequilíbrios sociais, na manutenção de uma reserva estratégica de intervenção no domínio econômico. O PSDB demora a assumi-lo, e o PT não pode ser o único a desempenhá-lo.
O segundo turno em São Paulo decide da emergência nacional do malufismo, criando um ponto de resolução para os aliados potenciais: o PFL é seu sócio ideológico oculto, a poder agora abandonar o casamento na polícia com o PSDB.
Voto contra a natureza, agora, é o dos tucanos em Pitta. Se persistisse na tentação de apoiar agora o prefeito, o partido racharia ao meio, como indicam as pesquisas, castigando a legenda com o maior dos anátemas, digno da punição dos incestos: o de se auto-anular na repartição dos votos em que o segundo turno lacra uma clivagem irredutível.
Volatiliza-se o voto defunto em Serra, na soma algébrica entre o PPB e Erundina, perdendo peso no eixo crítico da evolução política no país.
Esse pudor de alternativa que adoece a social-democracia entre nós só faz pressagiar o que acontecerá com o tucanato se não incorporar, de fato, a alternativa a que aponta a sua caução mundial neste fim de século. Só se agravou a nitidez desse protagonismo, enquanto as eleições varreram o que restava do populismo brizoleiro, como engodo à opção da mudança.
Rossi, em São Paulo, mostrou que a legenda, enquanto amarrada ao fundador, só teve no assistencialismo mambembe das seitas e no seu carisma de cuia o respiro para não se transformar em nanica de vez. Também, hoje, o voto à frente não se engana com uma ressurreição do Partido Socialista, feita de pedaços que não se entrosam, em Belo Horizonte, Maceió ou Pernambuco, de uma nostalgia sonâmbula ou utopia de plantão. Sobra para o PT um mandato histórico que repele, enquanto hegemônico entre as esquerdas.
Mas o papel lhe cai sob medida, como fruto do partido pertinaz e de sua longa espera. A legenda ratifica hoje uma força esplêndida em São Paulo. Em Porto Alegre, uma maioria consagrada. Ou, no Rio, uma metamorfose, com Chico Alencar.
No Brasil todo, uma confiança tão aguerrida quanto anônima prestigiou no PT, mais que em qualquer outro partido, o voto na legenda. O desfecho em São Paulo e no Rio pode agora esconjurar o "beijo da morte" do tucanato com o pefelismo, pelo bem do compromisso profundo da legenda.
Mais importante que a decisão entre Cabral e Conde é o potencial, justamente excrescente ao dilema, que representa a repetição do meio milhão de sufrágios crescidos sobre o voto nulo.
Vingada a opção, o petismo ganha muito mais do que qualquer somatório das chapas em disputa. De maneira geral, contradiz o imperativo democrático castrar-se o exercício do voto. Mas, nesta circunstância especialíssima, a disciplina do "não" vale como um plebiscito na sombra. E permite ao tucanato, amparado pelo PT contra o pefelismo malufista, reencontrar o papel da social-democracia "historicamente correto". A repetição do 13 na cabine só se anula para rimar melhor com futuro.

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