São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Um caso de amor à arte, à terra e ao povo

ELIO GASPARI

No próximo dia 26 o leiloeiro da Casa Christie's de Nova York baterá o martelo num lote de 22 quadros de Cândido Portinari e Di Cavalcanti. Quando chegar a hora do jantar, o serviço estará terminado. Cada quadro, com dono novo, seguirá seu destino pelo mundo afora e terá desaparecido aquilo que foi a coleção de Alexandre e Lucia Landau. Em compensação, esse casal de judeus poloneses que chegou ao Brasil nos anos 40 terá escrito uma bela página da pobre história da filantropia brasileira. Uma história de amor a um povo e a uma terra.
Alexandre e Lucia Landau fugiram da Polônia durante a guerra. Ela, com uma parte de sua família, foi capturada pelo exército soviético e viveu a guerra num campo de prisioneiros. Alexandre escapou para o Oriente Médio e de lá foi para a Ásia. Reencontraram-se em Israel e decidiram vir para o Brasil.
Ele era advogado, mas não podia exercer a profissão. Trabalhou no mercado de pedras preciosas, até que fundou uma pequena importadora de matérias-primas para laboratórios. Não ficaram propriamente ricos. Viviam em São Paulo, num apartamento de 250 metros quadrados no bairro de Higienópolis. Tornaram-se amigos de artistas e, numa época em que colecionar arte brasileira ainda era uma excentricidade, foram comprando aos poucos. Com um peculiar olho europeu, juntaram obras de Portinari e Di Cavalcanti dos anos 30 e 40. Parceiros de bridge de Di, conservaram dele bonitos desenhos de inspiração alemã.
Não tiveram filhos. Alexandre morreu aos 88 anos, em 1994, e Lucia, menos de um ano depois. Deixaram o apartamento em que viviam para uma sobrinha que vive na Austrália. Os quadros, de acordo com um testamento escrito em 1977 e jamais modificado, foram entregues à Christie's para serem leiloados. Se o lote completo (onde há mais três quadros do mexicano Diego Rivera e um do brasileiro Alfredo Volpi) sair pela estimativa mínima do leiloeiro, a coleção ficará por US$ 890 mil. Pela máxima, valerá 1,2 milhão. Alguns quadros estão baratos e há uns poucos desenhos a preço de estatal elétrica em leilão do BNDES.
Alexandre e Lucia Landau determinaram que todo o dinheiro da venda seja repartido entre a Sociedade Religiosa e Beneficiente Israelista Lar dos Velhos, a União Brasileira Israelita do Bem Estar e o Hospital Albert Einstein.
Serão lembrados pelo que deram, não pelo que acumularam.

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