São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
Texto Anterior | Índice

Bebê morto ficou esquecido no hospital por 5 dias

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM AÇUDE SACO (PE)

Um bebê sem nome, que viveu três dias, foi enterrado na última terça, sete dias após sua morte, sem registro de nascimento e certidão de óbito, no cemitério clandestino de Açude Saco, distrito de Santa Maria da Boa Vista (PE).
Filha da adolescente Janecleide dos Santos, 16, a recém-nascida ficou esquecida por cinco dias no necrotério do Hospital Regional de Petrolina, até que foi encontrada dentro de uma caixa de papelão por funcionários do hospital.
O corpo do bebê, que os nordestinos sertanejos chamam de "anjinho", nem ao menos ficou em geladeira. Foi localizado pelo odor.
Somente dois dias que o corpo foi achado é que o hospital entregou-o à avó, no distrito de Izacolância, a 50 km de Petrolina.
"Por erro, nós acreditávamos que o bebê já havia sido entregue para a mãe. Mas acabamos encontrando o corpinho depois que ele começou a deixar cheiro forte", afirmou a assistente social do hospital, Cislene Bandeira.
A avó do bebê, Isaura da Conceição, 49, recebeu o corpo na manhã de terça-feira, que chegou bastante roxo, envolto em papel azul de embalagem de algodão e dentro de uma caixa de papelão usada para guardar medicamentos.
A caixa com o bebê sem nome estava sobre a mesa da cozinha da casa da avó quando a reportagem da Agência Folha começou a acompanhar a família.
Nenhuma vela acesa. Nenhuma lágrima. Muitas crianças curiosas. Nenhum padre. Nada de cerimônias. Só problemas e moscas.
Isaura da Conceição não tem onde enterrar o bebê. Conta que o coveiro de um dos cemitérios clandestinos de Petrolina cobra R$ 10,00 para fazer a cova.
"Não tenho esse dinheiro. Mas a gente dá um jeito. Em cima da terra é que o 'anjinho' não vai ficar", afirma a avó.
Duas horas depois, ela consegue um caixão e uma carona com a prefeitura da cidade vizinha, Santa Maria da Boa Vista, onde moram os pais do bebê sem nome.
São 50 minutos de carro até o distrito de Açude Saco. "Mas já não tinham enterrado?", indaga o pai, Edjasme Bezerra de Brito, 18.
Depois de olhar por cinco minutos para a caixinha de papelão, a família começa a arrumar a criança e transferi-la para o caixão.
No meio do trabalho, feito também sobre a mesa da cozinha, o pai sai em busca do homem responsável pela chave do cemitério.
Volta 20 minutos depois, dizendo que já estavam cavando. Uma hora mais tarde, vai novamente ao cemitério clandestino. Volta rapidamente em sua bicicleta.
Entra em casa e sai com uma garrafa de pinga, entregue, "como agrado", ao coveiro informal.
Quarenta minutos mais tarde, começa o enterro. A mãe fica em casa. Já com um forte hálito de cachaça, o trabalhador rural Euclides Antônio da Silva, 65, cobre o caixão do "anjinho" na cova rasa.
O bebê é enterrado na ala reservada aos mortos com menos de um ano. A área ocupa a metade do cemitério.
(AC)

Texto Anterior: Aos 22, Maria já teve 7 filhos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.