São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Nicéa, 'princesa' de Pitta, conquistou prefeito vestida de escrava em baile

CLEUSA TURRA; PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Primeira-dama afirma que "o coração dispara com emoção de adolescente" quando marido chega

O prefeito eleito Celso Pitta a chama de "princesa". Às vésperas de completar 50 anos, em dezembro, Nicéa Pitta do Nascimento diz que o que sentiu pelo marido foi "amor à primeira vista".
"Costumo dizer que sou a única mulher que, quando o marido chega e coloca a chave na porta, o coração dispara, com aquela emoção de adolescente."
Decidida, impediu que a entrevista fosse encerrada por um assessor de Pitta, no exato momento em que a reportagem perguntava sobre a suposta prisão de seu filho por porte de drogas: "Deixa eu terminar, não tenho o menor problema em falar sobre isso".
Casada há 25 anos, com dois filhos (Victor, 22, e Roberta, 23), Nicéa concedeu à Folha na tarde de sexta sua primeira entrevista como primeira-dama.
*
Folha - Como e onde a sra. conheceu Celso Pitta?
Nicéa Pitta do Nascimento - No Rio, em um baile de Carnaval. Tinha terminado meu primeiro namoro. Do meu grupinho de amigos, só eu não estava acompanhada. Quando eu o vi, brinquei com as minhas amigas: 'Já encontrei um amor à primeira vista'.
Folha - A sra. se lembra do local?
Nicéa - Era um bar. Ele estava comprando um refrigerante, um Crush. Eu também fui comprar Crush e falava bem baixinho para o garçom não ouvir. Fui mesmo conquistá-lo.
Folha - A sra. não queria o Crush?
Nicéa - Não. Queria que ele me visse. Estava fantasiada de escrava, e ele, de havaiano. Ele me perguntou se poderia ajudar. Perguntei se ele era jogador de basquete. Começou a tocar a música "Máscara Negra", do Zé Ketti, e ele me tirou para dançar, fazendo charme e cantando: "O pierrô está chorando pelo amor da colombina...".
Folha - A sra. o acha charmoso?
Nicéa - Muito. Após 25 anos de casada, costumo dizer que sou a única mulher que, quando o marido chega e coloca a chave na porta, o coração dispara com aquela emoção de adolescente.
Folha - A idéia de que após anos de casamento a paixão se transforma em amizade não se aplica ao seu caso?
Nicéa - Não. Até tempos atrás, não gostava de dizer isso. Não queria levantar muito a bola dele. Mas cheguei à conclusão de que é melhor assumir.
Folha - A sra. é apaixonada?
Nicéa - Sou. Amo muito o Celso, tenho uma grande admiração pela disciplina, segurança e honestidade que ele passa para nós.
Folha - Quem é mais ciumento?
Nicéa - Eu.
Folha - Como a sra. conviveu com esse sentimento na campanha?
Nicéa - Sufoco esse sentimento dentro de mim. Mas fico olhando para ver se ele está... Nos showmícios, onde a gente vê mocinhas beijando e abraçando, não consigo sentir ciúme maior. Sinto que são muito jovens e que vêem nele uma esperança, um ídolo. Não vejo malícia. Com exceção de uma, que subiu no palanque e disse: "Sai daí que ele é meu". Eu olhei com uma cara bem brava e ela se afastou.
Folha - Ele não é ciumento?
Nicéa - Ele costuma ser controlado. Acredito que ele tenha (ciúme), mas como é muito equilibrado, muito disciplinado, não demonstra. Às vezes, eu pergunto: "Você me ama muito, tanto quanto eu te amo?" Ele responde: "Vou te deixar na dúvida".
Folha - Ele tem apelido em casa?
Nicéa - Não. Eu sim. Ele sempre me chama de princesa. Ele é muito romântico. Traz flores, sempre uma surpresa, uma caixinha de chocolate...
Folha - Lembra do aniversário de casamento?
Nicéa - Sempre. No Dia dos Namorados ele me faz surpresas lindas. Ele fez uns versos com a música "Máscara Negra".
Folha - A sra. concorda com a frase "por trás de um grande homem existe sempre uma grande mulher"?
Nicéa - Tenho dúvidas sobre essa frase. Em outros casos eu até concordaria. Mas, no caso do Celso, esse "grande homem" é por conta dele e do que a mãe dele plantou. Voltando à frase, acho que sou uma aluna dele.
Folha - Como é o relacionamento com sua sogra?
Nicéa - É uma segunda mãe para mim. Uma grande mulher. Nunca o nosso relacionamento foi de sogra e nora.
Folha - A sra. não chorou, como os outros familiares, no seu depoimento no horário eleitoral da TV.
Nicéa - Regravei muitas vezes até não aparecer chorando.
Folha - Por quê?
Nicéa - Por remorso. Coitado. Eu era chata. Eu cobrava muito mesmo: "Tem que chegar mais cedo, não precisa estudar tanto, não precisa trabalhar tanto". Eu queria ele mais para mim, para os filhos, o que não era certo da minha parte. Por isso me dá remorso.
Folha - Qual é a sua formação?
Nicéa - Tenho só o segundo grau. Logo cedo comecei a trabalhar em uma loja de calçados no Rio. Depois, fui progredindo até chegar a ser compradora da empresa. Em São Paulo, já casada, trabalhei como autônoma no mercado imobiliário.
Folha - Pitta permitia que a mulher trabalhasse fora?
Nicéa - Permitia. Ele me conheceu trabalhando.
Folha - Como é a divisão de trabalho em casa? A sra. tem uma segunda jornada de trabalho?
Nicéa - Como sempre, né? Mas, depois de uma experiência na Inglaterra, onde o marido ajuda a mulher em casa, você aprende muito. E isso ele sempre fez.
Folha - Ele cozinha?
Nicéa - Aprendi a cozinhar com ele. O churrasco dele é delicioso. Omeletes, arroz, massas...
Folha - Ele é organizado?
Nicéa - É. Ele chega em casa, já guarda o sapato, a gravata e põe a camisa no lugar.
Folha - Para quem os filhos pedem autorização quando querem fazer alguma coisa?
Nicéa - Para os dois.
Folha - Quem diz não?
Nicéa - A adolescência é uma fase muito difícil em cidades grandes como São Paulo e Rio. A insegurança dos pais é terrível. A gente sempre procura dar a noção do que acontece. Agora, o risco eles têm de correr. Não dizemos não. Preocupo-me quando eles saem de noite e chegam mais tarde.
Folha - Há regras para seus filhos? É permitido chegar às 5h?
Nicéa - Nunca.
Folha - Qual é o horário?
Nicéa - 1h30, 2h. Há dias em que eles extrapolam. Há conversa e, na semana seguinte, não saem. Damos um pouquinho de castigo.
Folha - A sra. acha que uma educação com mais liberdade está atrapalhando os jovens?
Nicéa - Acho. A gente sente que, com essa liberdade, eles extrapolam. Há momentos em que eles não sabem até aonde podem ir. Parece que estão discutindo de igual para igual. Acho que meus pais fizeram melhor. A liberdade é tamanha que as crianças hoje em dia não têm discernimento.
Folha - E dormir fora de casa?
Nicéa - Não há a menor possibilidade.
Folha - Nos EUA, alguns grupos defendem o direito do homem participar da decisão do aborto. O que a sra. acha disso?
Nicéa - A princípio, sou contra o aborto. Só em casos indicados pela medicina. A mulher deve decidir, ela é dona do seu corpo.
Folha - A família da sra. teve alguma objeção quando começou o namoro com Pitta, pelo fato de ele ser negro?
Nicéa - Da minha família, não. Das minhas amigas, sim. E das mães das minhas amigas. Minha mãe também teve um relacionamento com uma pessoa negra.
Folha - As mães de suas amigas ficaram surpresas?
Nicéa - Tive amigas que me proibiram de continuar o relacionamento com elas em função de estar namorando um negro.
Folha - A sra. tinha consciência, quando se casou, de que a questão racial iria acompanhar a sua vida?
Nicéa - Acho que o preconceito é uma dor, uma doença.
Folha - A sra. passou por alguma situação constrangedora?
Nicéa - Sim. Nos Estados Unidos, na Quinta Avenida (Nova York), um negro passou pelo Celso, bateu no ombro dele e perguntou: "Você, tão simpático, como está acompanhado dessa branca?" Ele respondeu que no país dele as coisas não eram assim.
Folha - Como os seus filhos tratam essa questão?
Nicéa - Eles não passaram por esse problema. Pelo menos nunca me contaram nada. Nunca.
Folha - Qual o significado da eleição do Pitta para os negros?
Nicéa - O prefeito Paulo Maluf foi o único homem que conseguiu indicar e levar um negro à prefeitura. Isso ficará na história. Ele, como imigrante, sabe das dificuldades. Acredito que ele incentivou por ter passado por isso.
Folha - A sra. fica chateada quando dizem que ele é pré-fabricado?
Nicéa - Não acredito que o dr. Paulo tenha tido essa intenção. Ele comentou um dia comigo: "Eu sinto que o Celso, para se projetar, cobra de si o melhor, em função do problema da pele". O Celso sempre se cobrou muito em todas as empresas em que trabalhou. Ele sempre tinha de ser o melhor.
Folha - Aos seus filhos a sra. dá essa recomendação?
Nicéa - Dou. O pai também.
Folha - A sra. fica magoada quando dizem que seu marido é um negro com "comportamento e cabeça de branco safado"?
Nicéa - Eu não consegui entender o que a Erundina (PT) quis transmitir. Não tem significado.
Folha - Questões de família foram discutidas na campanha. Como a sra. lidou com isso?
Nicéa - Estava preparada. Denúncias não me preocupam. Sei com quem estou casada, o homem que tenho em casa.
Folha - Seu filho, no depoimento na TV, fez menções a um momento em que recebeu apoio do pai. Ele se referia ao noticiário de que teria sido preso por porte de drogas?
Nicéa - Não foi exatamente como disse a reportagem. A realidade não é essa. (Nesse momento, a conversa foi interrompida por um assessor de Pitta, que queria o fim da entrevista. Nicéa não se alterou e disse que queria responder). No futuro, vou esclarecer a verdade.
Folha - Isso incomodou a sra.?
Nicéa - Doeu muito, foi muito forte para mim. Eu só não levei a coisa a público para não mexer mais com a cabeça dele (do filho). Ele foi forte. Com o tempo vocês saberão da realidade. Existiu um problema, mas não nesse nível.
Folha - Não quer explicar agora?
Nicéa - Marco com vocês em uma próxima oportunidade. Vou querer provar como foi. Isso é uma questão de honra para mim.

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