São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Belo Horizonte será governada por um médico devorador de livros

FERNANDO GODINHO

FERNANDO GODINHO; PAULO PEIXOTO
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Célio de Castro comandará a 3ª maior capital do país; militância política começou nos anos 60

PAULO PEIXOTO
A terceira maior capital do país será dirigida por um devorador de livros. O novo prefeito de Belo Horizonte, o médico Célio de Castro (PSB), 64, é um leitor compulsivo e diz que os livros o formaram.
"A leitura faz parte da vida. Passo da vida para o livro com muita facilidade e do livro para a vida também", afirma Castro, que sofria com a falta de opções em Carmópolis (MG), sua cidade natal.
Ao ir para Belo Horizonte, aos 10 anos, passou a frequentar a biblioteca do Serviço Social da Indústria.
"Enquanto meus colegas liam livros de aventura, eu lia Eça de Queiroz e Machado de Assis." Hoje tem como bíblia "Grande Sertão, Veredas", de Guimarães Rosa.
A compulsão por livros impressiona. Há quatro anos, foi a um casamento em Poços de Caldas (MG) -um fim-de-semana. Na bagagem, além de "Grande Sertão, Veredas", dois livros de poesia, um de filosofia e um de sociologia.
Em 1975, quando foi preso, policiais invadiram sua casa e reviraram os livros. A ordem era recolher os de capa vermelha. Entre eles, "Grande Sertão, Veredas". "Aquilo me atingiu muito."
Devorando os livros, chegou à filosofia. Ele considera "imprescindível" a leitura de obras sobre pensamento filosófico, lê poesia todos os dias e temas políticos. Não dispensa também a literatura médica.
Autodidata em inglês, francês, italiano e espanhol, diz que espera aprender grego. Credita essa facilidade às aulas de latim que teve.
Aborto e maconha
Considerado pelos amigos e adversários um excelente clínico e uma pessoa franca, Castro não se furta de comentar qualquer tema.
Essa franqueza gerou a maior polêmica da campanha quando defendeu o aborto -"como um direito natural" da mulher- e a descriminação da maconha.
Seu adversário no segundo turno, Amílcar Martins (PSDB), 47, explorou ao máximo esses temas.
A estratégia não deu certo. "Começou como padre e terminou como santo. Nenhuma crítica pegou nele", admite Martins.
"Só falei sobre isso porque fui perguntado. E se for perguntado novamente, vou responder", diz.
Formado em medicina em 1958, trabalhou no pronto-socorro de Belo Horizonte por 35 anos. Por meio da medicina, iniciou na militância, no início dos anos 60.
Seu batismo se deu na AP (Ação Popular), uma organização clandestina que tinha como modelo o governo comunista da Albânia -chamada pelos comunista de "farol do mundo". Mas radicalizou e aderiu a uma dissidência da AP, a APML do B (Ação Popular Marxista Leninista do Brasil).
O médico abandonou a extrema-esquerda e chegou ao socialismo, passando pelo PC do B (1976), PMDB (1980), PSDB (1987) e, finalmente, o PSB (1988). Hoje, ainda lamenta a queda do Muro de Berlim e admira o marxismo.
Apesar dessa trajetória, Castro diz acreditar em Deus. "Sou filiado ao credo católico. Mas, como brasileiro, não praticante."
Em 1975, sofreu dois atentados a bomba. Uma explodiu na sua casa, quando tinha acabado de chegar. A outra explodiu no seu carro.
A profissão de médico lhe rendeu amizades estratégicas. Como clínico-geral cuidou da família do seu adversário, do governador Eduardo Azeredo e da família do ex-governador Hélio Garcia.
Mas a campanha estremeceu relacionamentos. "Tivemos momentos de confronto e de decepções. Nossa reaproximação será difícil", afirmou Amílcar Martins.
Separado há três anos, Castro tem quatro filhos e três netos. Tem hábitos modestos e não dispensa uma caminhada diária.
O atual vice-prefeito de Belo Horizonte já foi deputado federal duas vezes. Na eleição presidencial de 94 esteve cotado para substituir José Paulo Bisol na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva.

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