São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Maia diz que elegeu candidato que melhor se encaixou como mensageiro

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

Os desafetos do prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, garantem que ele elegeu um poste. Não que o futuro prefeito e ex-secretário de Maia, Luiz Paulo Conde (PFL), que derrotou anteontem Sérgio Cabral Filho (PSDB), careça inteiramente de méritos. Mas, antes de começar a aparecer ao lado de Maia, Conde era um arquiteto conhecido apenas nas rodas acadêmicas, sem nenhuma experiência política e com um dos perfis mais inadequados de que se tem notícia para alguém que vai disputar um cargo público.
A velha anedota do poste (aquela do político que de tão eficiente conseguia eleger até um poste) se tornou ainda mais popular no Rio com a polêmica reforma urbana que Maia -com a coordenação direta de Conde- empreendeu em diversos bairros. A intervenção mais visível ocorreu no bairro de Ipanema e incluiu a instalação de modelos muito caros e muito estranhos (porque tortos) de postes. Daí a correlação.
Obeso, com problemas de dicção, acusado de pau-mandado", dependente e com outros predicados que arruinariam a carreira de muitos, Conde chegou lá.
Muito mais que dele, a vitória é de Maia, que nos últimos anos de sua administração tornou notória a expressão factóide, versão pós-moderna do velho e bom falem mal, mas falem de mim".
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Folha - O sr. se identifica com a anedota do político que era capaz de eleger até um poste?
Maia - Não. Porque a gente desenvolveu essa campanha eleitoral com régua e compasso. Primeiro foi definida a mensagem que seria transmitida, que tem uma equação muito simples. De um lado você tem o governo, que se propõe a continuar, e de outro a oposição, que quer mudar. Nós então definimos que nossa mensagem seria a da continuação de nossas políticas, enfatizando aquilo que tinha maior visibilidade -Rio-cidade e favela-bairro, principalmente. E nós tínhamos que encontrar o mensageiro para isso. Buscamos o candidato que melhor se encaixava como mensageiro. E acertamos.
Folha - Qual será sua participação no governo Conde?
Maia - Nenhuma. Os secretários são esses; só vão sair os que quiserem, essa é a proposta do Conde. Basicamente, o governo é o mesmo, as atividades terão os mesmos gestores. Não há necessidade de qualquer interferência minha.
Folha - A derrota do candidato do PSDB na segunda principal cidade do país é uma derrota do presidente Fernando Henrique?
Maia - Não. Porque nós procuramos isolar o Fernando Henrique do governador Marcelo Alencar (também do PSDB). Procuramos derrotar o Marcelo Alencar, que é o grande derrotado por duas razões: porque perdeu as eleições e porque escolheu o jogo, as armas e o campo. A nossa proposta, apoiada pelo presidente da República e pelo PFL nacional, era de um candidato de unidade, que poderia ser o senador Arthur da Távola ou o deputado Ronaldo César Coelho (ambos do PSDB). Mas o governador insistiu em ter um candidato da confiança da sua máquina e ganhar a eleição com tudo. O resultado foi essa tragédia, para ele, que é muito mais derrotado que o Sérgio Cabral.
Folha - A vitória do Conde é a vitória da direita?
Maia - Não. Localmente, ela é a vitória do centro. Veja que o centro não é nada, é um ponto de convergência. No segundo turno forças diferentes se somaram à candidatura do Conde. Ele não foi um candidato de direita, mas se você me pergunta, sem nenhum tipo de preconceito, se a direita saiu nacionalmente fortalecida por causa da vitória nossa no Rio, eu diria que sim. Pelo noticiário que a gente lê, parece que o PT se saiu muito bem dessa eleição. Mas, segundo os dados do TSE, no primeiro turno no país, o centro teve 45% dos votos, a direita 35% e a esquerda teve 15%. O centro é o grande vencedor.
Folha - O sr. já disse que queria ser o líder da direita. Agora pode-se dizer que daqui para a frente será uma liderança de centro?
Maia - Eu disse que era o líder da direita no Rio, não disse que era o líder de direita, um político de direita. Os setores conservadores e liberais no Rio votam comigo, isso é uma constatação. No segundo turno, o Gabeira (deputado do PV) tirava uma foto ao lado do Conde e eu dava uma declaração a favor da pena de morte; o Sérgio Arouca (candidato do PPS) tirava foto com o Conde, eu sonhava com o Jânio Quadros. Eu procurava sempre sinalizar para meu eleitor que ele tivesse confiança em mim. Eu me posiciono como defensor da democracia representativa, radicalmente democrático e como defensor de uma economia aberta e de um Estado articulado com a sociedade e não por cima da sociedade.
Folha - O sr. é candidato a governador?
Maia - Sou. Não quer dizer que eu venha a ser.
Folha - Qual a diferença?
Maia - No meio do caminho posso deixar de ser...
Folha - Pode virar ministro...
Maia - Posso largar a política... Mas, para um prefeito avaliado positivamente pela população como eu fui, o natural e o lógico é que seja candidato a governador. Negar isso seria hipocrisia. Já sou candidato ao governo do Estado, mas o Brasil é o Brasil. O que vai acontecer daqui a duas horas eu não sei, daqui a dois anos muito menos.
Folha - O sr. aceitaria ser ministro? O sr. tem insistido na idéia de um ministério que cuidasse da segurança...
Maia - Para quem precisa se desincompatibilizar no começo de 1998, aceitar um ministério um ano antes é quase que irresponsabilidade. Com relação à segurança pública, em qualquer lugar do mundo essa é uma tarefa nacional -eu não disse federal. Você tem uma ação articulada entre todas as instâncias do governo. Não existe nenhuma inibição do DEA (departamento federal que cuida do combate às drogas nos EUA) para intervir no tráfico em Nova York ou Los Angeles. Não precisa pedir licença ao governador ou ao prefeito, se age com autonomia. No Brasil, a Polícia Federal para fazer alguma coisa... É preciso haver uma articulação nacional. Uma tarefa como essa me mobilizaria, porque não se trata de um ministério com máquina, mas de uma coordenação, como por exemplo a de um ministério do Interior, na sua função clássica como os da Europa e norte-africanos, que têm a função básica de "gendarmerie", de polícia e de segurança pública. Aí sim valeria a pena um esforço de um ano para fazer esse tipo de organização. Isso eu aceitaria. Estou me preparando para isso. Estou estudando essa questão de segurança pública, mesmo porque ser governador do Rio sem saber nada de segurança é a porta de entrada da catástrofe.
Folha - O sr. já disse ser a favor da reeleição, certo?
Maia - Apoio amplo, geral e irrestrito. Acho que o correto teria sido a reeleição votada ano passado. Mas o erro cometido não nos deve levar a cometer dois erros.
Folha - Como o sr. avalia esse recorde no déficit da balança comercial?
Maia - Em economia não se pode avaliar uma coisa sem avaliar outra Ninguém é mais responsável pelo déficit público do que o governo federal, principalmente pela maneira frouxa como se relacionou com os governadores. Os governadores sentiram essa fragilidade do governo e avançaram em suas despesas, avançaram em cima do déficit público, iludiram o governo federal em relação aos seus programas de reforma do Estado para conseguir recursos do BNDES e da Caixa Econômica Federal.
Folha - Qual sua opinião a respeito do voto facultativo?
Maia - Na prática, hoje vota metade da população. Se você chamar de não-voto a soma da abstenção com o nulo e o branco, você já tem alguma coisa acima dos 40%. Isso deveria nos levar pragmaticamente ao voto facultativo? Eu acho que não. Na hora em que o Brasil atingir o nível de diferenças um pouco menor você pode fazer essa liberação.
Folha - Gostaria de saber o que o sr. tem a dizer a respeito de dois personagens políticos brasileiros. Antonio Carlos Magalhães, um prócer de seu partido, e Leonel Brizola, seu antigo companheiro.
Maia - De Antonio Carlos Magalhães vou contar duas histórias. Primeira: numa reunião da executiva do PFL se decidiu que personalidades do partido viriam visitar obras no Rio durante a campanha. Ele foi contra dizendo que a candidatura do Conde não tinha a marca do PFL e seria uma forma de forçar a barra a visita de lideranças do partido se aproveitando de uma situação favorável. Segunda: após o debate desta semana (de Conde e Cabral na TV Globo) ele me procurou para pedir que eu dissesse que Conde venceu, ganhou, massacrou, numa crítica ao fato de eu ter descoberto defeitos na performance de Conde em outro debate. Ele me disse que mais importante que o debate é a repercussão do debate. Quer dizer, ele fez de uma maneira muito elegante uma crítica correta a um procedimento meu. Isso mostra o grau de sensibilidade e pragmatismo que tem o senador Antonio Carlos Magalhães. Eu só posso ter admiração. Eu nunca vou cobrar a ninguém hoje por causa de anteontem. Ninguém é condenado eternamente ao erro. As pessoas que erraram devem errar sempre para ser coerentes?
Folha - E o Brizola?
Maia - Eu tive a oportunidade ímpar de fazer parte da cozinha do Brizola, sem ser personagem dessa cozinha. Eu participava das reuniões em sua casa, e como não era personagem, podia observar o Brizola, a forma dele raciocinar, as avaliações dele, as análises dele. Eu ficava com um papelzinho e anotava tudo. Adquiri do Brizola métodos de alcance político-eleitoral, elementos que me permitem gerar opinião, comunicar, participar de campanha. Tenho dele a melhor visão sobre o que é um político coerente. Agora, o mundo mudou e o Brizola ficou pousado no mundo dos anos 40 e 50. Ele fala uma coisa que ninguém consegue entender. É como se estivesse falando de questões relacionadas ao século 18 como se fossem questões que você encontraria nas ruas.

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