São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Para Tarso Genro, PT gaúcho deve ser referência à renovação do partido

CARLOS ALBERTO DE SOUZA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

O terceiro mandato consecutivo conquistado em Porto Alegre e o crescimento do partido no interior do Estado credenciam o PT do Rio Grande do Sul a servir de espelho para o Partido dos Trabalhadores em nível nacional.
A avaliação é do prefeito da capital gaúcha, Tarso Genro, 49. Em entrevista à Agência Folha, ele disse que os petistas gaúchos têm o que ensinar a seus correligionários de outros Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Genro coloca seu nome na lista de petistas que poderão eventualmente substituir Luiz Inácio Lula da Silva como candidato do partido à Presidência da República, em 1998. Outra hipótese é o prefeito concorrer ao governo estadual.
Disse que certo mesmo é a volta, a partir de janeiro, ao seu escritório de advocacia, especializado na área trabalhista. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
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Agência Folha - Analisando-se o resultado destas eleições, pode-se dizer que o PT-RS sai como a seção mais fortalecida do partido. O sr. acha que o PT nacional deverá se reorganizar a partir do PT gaúcho?
Tarso Genro - Acho que o PT nacional deve aproveitar a experiência do PT gaúcho em três níveis: qualidade da discussão ideológica e cultural interna; capacidade de propor métodos inovadores de gestão pública e, por último, a capacidade de se apresentar na sociedade como um partido que permanece sendo socialista e sabe ser contemporâneo, moderno.
Agência Folha - O sr. concorda com a análise de que o PT-RS deverá exercer um papel de líder?
Genro - Sendo um dos quadros mais conhecidos do PT gaúcho, me sinto um pouco suspeito para analisar a questão. Mas tenho segurança de que o PT daqui deve ser uma referência muito importante para o PT nacional.
Agência Folha - A derrota de Luiza Erundina em São Paulo abala o projeto nacional do PT?
Genro - Parece-me que o PT deve fazer uma profunda discussão e investigação política e teórica para saber por que, na cidade mais desenvolvida e importante economicamente do país, nós não conseguimos ganhar a maioria da população. O futuro do PT, enquanto partido dirigente, passa por uma profunda integração com a cidade de São Paulo. O caso de Diadema desprestigiou o partido regional e nacionalmente.
O PT não pode ter tolerância com esse tipo de conflito, que joga o partido na vala comum dos partidos conservadores. O PT precisa ser duro, apurar responsabilidades e aplicar punições.
Agência Folha - O sr. tem um diagnóstico sobre as dificuldades do PT em São Paulo?
Genro - Tenho um diagnóstico muito superficial e primário. É mais intuitivo. Prefiro não dizê-lo.
Agência Folha - Essa situação compromete uma possível terceira candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República?
Genro - Eu diria que as eleições em São Paulo deixam de fortalecer a nossa candidatura à Presidência e a colocam num patamar de maiores dificuldades para a disputa. Mas entendo também que não é decisivo. É importante, mas não é decisivo.
Agência Folha - Seu nome já foi lembrado para concorrer à Presidência. O sr. aceitaria?
Genro - O meu candidato, e acredito que de todo o partido, é o Lula. Se eventualmente o Lula não for, ou não quiser, temos de verificar um nome que consiga unificar a ampla maioria do partido para jogá-lo na disputa muito difícil das eleições de 1998. Eu sou um dos nomes que está sendo comentado, cogitado, mas não há nenhuma proposta minha nem de um grupo organizado nesse sentido.
Agência Folha - Para o sr., quais são os principais problemas do PT que teriam de ser corrigidos?
Genro - Existe um problema que não é do PT, é de transição política e ideológica da esquerda em escala mundial.
O desafio que se apresenta para nós é o de sermos contemporâneos, profundamente modernos, como sempre foi o socialismo, sem perder a relação e as raízes com a nossa base social. Esse é o desafio que temos de responder.
O mundo do trabalho não é o mesmo de 30 anos atrás. As suas demandas e desejos não são mais os mesmos. A sociedade é muito mais fragmentada, diversificada, pluralizada. Um discurso tipicamente sindical, obreiro, não tem mais eco social. Essa é a questão que temos de responder. Acho que estamos começando a responder com diversas experiências, em diversos lugares do país, inclusive em Porto Alegre.
Agência Folha - Como assim?
Genro - A questão fundamental da reforma do Estado no país é apontar para um controle da sociedade sobre o Estado. Um controle social do Estado pela sociedade civil organizada, combinando participação direta e democracia estável representativa.
Nesse sentido a estabilidade (no emprego), por exemplo, deve ser uma estabilidade sob controle da sociedade. Deveríamos ter uma norma constitucional que permitisse que a situação de estabilidade do servidor fosse submetida periodicamente a um crivo da sociedade destinatária do seu serviço.
Nós temos em Porto Alegre um exemplo concreto, uma comissão paritária formada por quatro membros do governo, quatro membros do conselho do Orçamento Participativo e quatro servidores. Eu, por contrato político, só posso aumentar o quadro com a permissão dessa comissão.
Eu queria que essa comissão também pudesse me autorizar a demitir servidores que não trabalham, que, aliás, são muito poucos na Prefeitura de Porto Alegre.
Agência Folha - O seu nome também é cotado para concorrer ao governo do Rio Grande do Sul em 98. É um plano mais palpável que o da Presidência da República, o sr. deseja o governo estadual?
Genro - O que mais desejo na minha ação política é contribuir para o movimento de idéias que integro. Se se colocar nesse projeto alguma candidatura, ela será respondida, porque sou militante político. Toda minha práxis política não se volta para construir uma candidatura. Não faço política por carreira, só faço por imperativo moral. Uma candidatura não é fundamental para a continuidade da minha militância.
Agência Folha - Outro nome cotado para concorrer ao governo gaúcho é o do ex-prefeito Olívio Dutra, de quem o sr. foi vice na chapa à prefeitura em 1988. O sr. aceitaria ser vice de novo?
Genro - Não, mas não é por ser vice do Olívio. É por ser vice. Creio que tenho condições para dar uma contribuição na titularidade do mandato e não gostaria mais de dar essa contribuição na condição de vice. Não se trata da companhia do Olívio, que muito me honraria.
Agência Folha - Qual sua opinião sobre o governo FHC?
Genro - Acho que a inflexão que ele fez, para o centro-direita, compôs um campo de alianças que lhe permite movimentos muito restritos. Seu governo está submetido à lógica do neoliberalismo em escala mundial, embora eu não saiba se isso é do gosto dele.
A gestão dele é consequência do que chamo de integração submissa, ou seja, da capitulação de que o Estado nacional tenha uma lógica própria e que se integra no mundo globalizado de maneira soberana, com autonomia e com responsabilidade estratégica. Acho que esse é o equívoco principal do governo, do qual redundam outros.
Agência Folha - Qual a sua opinião sobre as privatizações?
Genro - Em regra, se inscrevem na visão de minimização do Estado como planejador. A retirada do Estado como planejador coloca outro organismo como planejador da sociedade, que são os monopólios privados. Trata-se, na verdade, de uma disputa de poder.
O que temos de ter é um Estado controlado pela sociedade, com políticas transparentes e controladas pelos destinatários, para que o Estado possa ser ágil e público e não ágil e voltado à privatização.

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