São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Limites do antiimigracionismo

FRANCIS FUKUYAMA
ESPECIAL PARA "NYT BOOK REVIEW"

Existem dois argumentos separados a serem movidos contra a imigração: um é econômico e reflete as preocupações da esquerda, e o outro é cultural e interessa à direita. Eles são formulados por Roy Beck e Chilton Williamson Jr., respectivamente; os argumentos, se não de todo novos, são apresentados com cuidado e imparcialmente, e merecem portanto respostas sérias.
"The Case Against Immigration" ("O Argumento Contra a Imigração"), de Roy Beck, e "The Immigration Mystique" ("A Mística da Imigração"), de Chilton Williamson Jr., têm muito em comum. Ambos alegam que a imigração sofreu a resistência de vultosas maiorias de americanos, não apenas no passado recente, mas desde que a grande onda de irlandeses e alemães inundou os Estados Unidos na década de 1840.
Ambos notam que, apesar destas manifestações, as medidas pró-imigração foram implementadas com sucesso pelas elites. Ambos apontam o papel de destaque de John Kennedy na lei de imigração promulgada em 1965, que abriu os portões a uma nova onda, e ambos criticam os defensores da medida por desonestidade, ao interpretar o alcance e as consequências de sua sanção. Ambos lamentam que os inimigos da imigração sejam tachados de intolerantes, de modo a sufocar um debate sensato.
"The Case Against Immigration" formula um consistente argumento populista para pôr fim à imigração, com base no fato de que ela contribui para a "crise da classe média" -a queda nos salários reais que enseja comunidades decadentes e famílias em ruínas. Beck, editor em Washington de "The Social Contract" ("O Contrato Social"), um periódico trimestral, advoga o fim da imigração para criar a redução de mão-de-obra e elevar os salários, de maneira a recriar a prosperidade da classe trabalhadora dos anos 50, forçando simultaneamente a adoção da tecnologia para suavizar o impacto dos custos salariais crescentes nos consumidores. A imigração, argumenta, foi particularmente nociva aos negros, cuja mobilidade social foi preterida por imigrantes europeus durante a restauração pós-Guerra Civil e hoje é preterida pelos hispânicos.
Beck tenta defender a causa insustentável de que a imigração prejudica todos os setores da economia, inclusive a alta tecnologia, e minucia cada um dos custos, embora ignore os benefícios e admita que a economia só pode fornecer um número fixo de empregos. Mas, se Eric Benhamou, o fundador da 3COM, uma empresa de computadores de ponta, não tivesse emigrado da Argélia, seu emprego não teria sido preenchido por nenhum nativo; a 3COM, com seus bilhões na capitalização do mercado e os 3.000 empregos que criou, simplesmente não existiria.
Beck pisa em bases mais sólidas quando alega que a imigração aumentou o abismo entre o rico e o pobre. Enquanto que o número de empregos altamente especializados é infinito, o trabalho de baixa especialização está desaparecendo, e há indícios de que a imigração achatou os salários de negros e demais comunidades de centros urbanos que se acham na base do mercado de trabalho.
O problema da solução antiimigracionista de Beck é que a competição de trabalhadores imigrantes é somente uma entre as inúmeras razões para o declínio na renda da classe trabalhadora. Igualmente importante, se não mais, são o avanço tecnológico, a concorrência externa na forma de importação de bens e exportação de empregos, a abertura à competição de setores antes protegidos e o ingresso das mulheres na força de trabalho. Acabar com a imigração não começaria a restaurar as rendas da classe trabalhadora nem a trazer de volta aquela simpática vizinhança e as famílias que Beck evoca nostalgicamente.
Os EUA teriam também de erigir muros protecionistas (algo que Beck, suponho, igualmente aprova) e reformular os estatutos de várias indústrias. A consequência a curto prazo seriam níveis mais elevados de desemprego (como na Europa) e, a longo prazo, uma "débâcle" como a que eliminou os EUA do mercado mundial, em razão de seus preços proibitivos.
A identidade americana
Williamson Jr. também faz menção das consequências da imigração para os trabalhadores americanos, os negros e o meio-ambiente, mas sua preocupação básica é com a cultura.
Ele mostra que, desde a independência, os americanos acreditaram estar unidos por algo mais do que a idéia democrática e a Constituição; como diz John Jay nos artigos federalistas: "A Providência teve a satisfação de dotar esse país coligado a este povo unido, um povo que descende dos mesmos ancestrais... muito semelhantes em suas maneiras e costumes".
A identidade americana estava baseada na cultura protestante anglo-saxã, que fora violentamente quebrantada pela "grande onda" de imigração de 1880-1924 e que está agora, nas palavras de Williamson, sob o intenso ataque das levas contemporâneas de imigrantes. Editor-chefe de "Chronicles: a Magazine of American Culture" ("Crônicas: uma Revista de Cultura Americana"), ele propõe a irretorquível tese de que o multiculturalismo de vários partidários liberais da imigração erodirá ainda mais o que resta de uma antiga cultura comum.
Williamson aduz de modo persuasivo que os EUA deviam julgar a imigração em termos de seus próprios interesses nacionais e que os interesses de imigrantes não invalida o direito de uma comunidade nacional determinar sua própria identidade cultural. A fragilidade de seu ponto de vista é que, se tomarmos a peito a necessidade de uma cultura comum, baseada não na etnia, mas em valores compartilhados, como ética trabalhista, responsabilidade individual, preocupação com a família etc., os imigrantes provavelmente mais contribuirão que prejudicarão.
Não somente porque muitos imigrantes possuem essas virtudes em maior grau do que os nativos, mas também porque a desintegração cultural deplorada por Williamson é um projeto liderado principalmente pelas elites nativas, brancas ou negras, a fim de resguardar suas posições ou crenças, e persistiriam ainda que a imigração fosse proibida e os últimos 5 milhões de estrangeiros, enviados para casa. O problema do multiculturalismo devia ser resolvido dentro de seus próprios limites.
As preocupações de Beck com a queda da renda de trabalhadores de baixa especialização e as inquietações de Williamson sobre a desintegração cultural são englobadas no tipo de "imigração planejada" saudada por Ben Wattenberg: fechar o cerco à imigração ilegal e reorientar a imigração legal pelos conhecimentos técnicos e não pela reunificação familiar. Embora seja fácil discordar de ambos os livros, os autores expuseram seus argumentos de forma a encorajar o debate sério em vez do simples palavrório.

Onde encomendar: "The Case against Immigration", de Roy Beck (Ed. W.W. Norton & Company, 287 págs., US$ 24) e "The Immigration Mystique", de Chilton Willianson Jr. (Ed. Basic Books, 202 págs., US$ 23) podem ser encomendados, em São Paulo, à Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel 011/285-4033) e, no Rio de Janeiro, à Livraria Marcabru (r. Marquês de São Vicente, 124, tel. 021/294-6396).

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