São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Os anos selvagens

SILVIA BITTENCOURT
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BERLIM

Numa tarde de fevereiro de 1968, milhares de pessoas se reuniam no centro da então Berlim Ocidental, pedindo o fim do "terror vermelho", como chamavam o movimento estudantil que agitava a Alemanha. Até que um manifestante gritou o nome Rudi Dutschke, dirigindo-se a um jovem. A massa não teve dúvida. Partiu para cima do jovem e linchou-o quase até a morte.
Quem estava ali, porém, não era Rudi Dutschke, mas um trabalhador, que teve o azar de ser parecido com o então líder do movimento estudantil alemão. O verdadeiro Dutschke viria a sofrer um atentado dois meses depois, quando um outro louco lhe deu três tiros, também em pleno centro da cidade.
O delírio que tomou conta daquele ano de 68 em Berlim aparece agora, em detalhes, na mais nova biografia do líder estudantil, "Rudi Dutschke - Wir Hatten ein Barbarisches, Schõnes Leben" (Tínhamos uma Vida Selvagem e Linda). Escrito por sua mulher, a americana Gretchen Dutschke, o livro apresenta a vida de Rudi, desde a juventude numa cidade da então socialista Alemanha Oriental até a sua morte, na Dinamarca, vítima de um ataque epiléptico -consequência do atentado.
Com trechos inéditos de cartas e do diário de Dutschke, o livro conta, por exemplo, como ele recuperou suas capacidades intelectuais, perdidas no atentado. Atingido na cabeça, o então estudante de sociologia teve que aprender a falar de novo. O primeiro vocabulário que recuperou foi o político.
A biografia também mostra a odisséia que foram os anos seguintes ao atentado. Fugindo da imprensa e vivendo de doações, os Dutschke passaram pela Itália, Irlanda, Inglaterra e Holanda. Nenhum governo quis dar asilo.
Rudi Dutschke (1940-1979) foi um revolucionário. Agitou um país que vivia o milagre econômico e que, na sua opinião, estava tomado pelo comunismo, pela moral pequeno-burguesa e pelo silêncio sobre o passado nazista.
Orador carismático, Dutschke atacava a política dos Estados Unidos no Vietnã e as medidas pouco democráticas que o governo alemão adotava para conter a agitação social da época. Debatia com grandes intelectuais. A biografia apresenta, por exemplo, uma discussão primorosa entre o estudante e o filósofo Jürgen Habermas.
A imprensa conservadora lançava campanhas contra Dutschke, o "terror do establishment". Publicava fotos de perfil do estudante, sugerindo uma caça a terrorista (terrorismo, aliás, que Dutschke rejeitava).
Pouco antes de morrer, Dutschke se aproximou do recém-fundado Partido Verde, mas que acabou se encaixando no sistema que a geração de 68 queria mudar.
Pela segunda vez Dutschke volta a chamar a atenção da opinião pública. Ao contrário do furor dos anos 60, porém, a Alemanha de hoje recebe sua biografia com interesse e respeito. Há semanas, Gretchen Dutschke roda o país e lota os debates de que participa.
Quase 30 anos depois do "furor", parece, agora, não existir mais o abismo entre conservadores pequeno-burgueses e jovens revolucionários.

Onde encomendar: "Rudi Dutschke - Wir Hatten ein Barbarisches, Schõnes Leben" (Ed. Kiepenheuer & Witsch, 512 págs., 48 marcos) pode ser encomendado, em São Paulo, à Livraria Revisal (r. Florêncio de Abreu, 36, 1º andar, tel 011/228-7331).

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