São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Capítulo trata da sexualidade

DA REDAÇÃO

Leia abaixo trechos do capítulo "Pedro Nava e a Sexualidade", da biografia "A Solidão Povoada", escrita por Monique Le Moing.
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"Abordaremos em seguida um tema delicado sobre o qual não se trata de deduzir seja o que for sobre o homem, mas que não podia ser ocultado, visto que de algum modo faz parte integrante da obra e apresenta-se, sempre, com insistência notável. Trata-se das relações que Pedro Nava mantinha com a sexualidade, sua sexualidade. Uma certa ambiguidade envolve seus ditos e não foi fácil levantar certos véus. (...)
Nava acusava com violência os educadores, tanto os pais como os mestres, que consideram a sexualidade "tema tabu", criando complexos e até mesmo desvios sexuais; quando esta sexualidade -ele já verificou como ser humano e como médico- é o nó da vida, o elemento incontornável, que precisamos não somente reconhecer, mas aceitar e respeitar tal como é. (...)
O que dizer das suposições emitidas depois da sua morte em relação à sua homossexualidade? Sem dar o menor crédito às maledicências e pondo de parte as tagarelices, não podemos deixar de constatar ao longo da obra e nas suas declarações aos jornalistas, que Pedro Nava estava preocupado com este problema, que já tinha pensado nele e que estava chegando a certas conclusões; que para ele a homossexualidade não deveria ser considerada desvio sexual, nem tabu, visto que ela está latente em cada homem, e que acontece, que se manifesta, de diversas formas nas relações humanas:
'No relacionamento de homem para homem, no estabelecimento de uma confiança, de uma simpatia, de uma amizade -entra muito do terreno neutro de sexualidade, de uma espécie, digamos dessa homossexualidade subclínica que habita os confins de todos' (...)
'Todo mundo atravessa um período intersexual... a vida é foda: o resto é brincadeira' (...).
Muitas vezes, na obra, fala de homossexualidade, e a personagem do Comendador, que já vimos em detalhes, com seu lado misterioso, para não dizer mórbido, parece reunir toda uma cumulação de não-ditos que gostariam de ser ditos, que perturbam, que abafam, que matam... talvez.
Seria bom atentar para as numerosas alusões a Albertine de Proust. Pedro Nava parece às vezes, ele também, querer embrulhar as pistas, brincando com os nomes... Brincar não seria a palavra exata, visto que essas manipulações aparecem sobretudo nos rascunhos, e, sendo assim, não têm objetivo lúdico. Antes resultam de uma caminhada intelectual bem definida: descobrimos em Antônio o anagrama de Antínoo (o jovem amante do imperador Adriano...), assim essas transformações do nome Olinda em Danilo, Alindo, Dolina ou Adolin, que qualifica de 'anagramas múltiplos de uma mesma história'... A descrição que ele faz de Olinda em 'Galo das Trevas' deixa na dúvida sobre o sexo da personagem: será uma mulher? será um homem? O que é verdade, é que o retrato exprime um erotismo forte e que a cena onde aparece Olinda se passa com uma personagem que chama de Conselheiro (...).
Nos arquivos de Nava encontramos uma ficha onde explicava que estava pensando escrever um romance de ficção que se chamaria 'O Conselheiro e a Piranha'... Talvez pensasse estar achando, assim, uma maneira para abordar, afinal, e de modo mais profundo, o tema que o atormentava.
Há outras fichas e desenhos nos arquivos referentes à homossexualidade (alguns completamente obscenos). Uma das fichas, em virtude da qualidade do conteúdo, merece ser mencionada. Além do fato de que coincide de modo impressionante com o tom e o estado de espírito do escritor, contém uma citação de Montaigne, extraída dos 'Essais':
'...et autant par costume que par nature, les masles se meslent aux masles' (e tanto por costume quanto por natureza, os machos se misturam com os machos) ('Essais', livre 1, chapitre 23)."

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