São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Pesquisador do Brasil é "velho"

REINALDO GUIMARÃES; GERSON GALVÃO; RICARDO LOURENÇO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na recém-terminada reunião anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), a idade dos nossos pesquisadores veio à tona (1).
Afinal, são "velhos" ou não? E se são velhos, estão mortos? Poderia também, em tempos de discussão de gêneros, ter sido debatido o seu sexo, inaugurando uma "demografia" da comunidade científica. O CNPq acaba de colocar na Internet (http://www.cnpq.br) os números do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (dados de 95), com informações sobre o sexo e a idade da grande maioria dos pesquisadores do país. O trabalho tem abrangência nacional e abarca todas as áreas do conhecimento.
A definição de quem é pesquisador foi dada pelos líderes dos grupos. A identificação dos líderes dos grupos foi feita pelas autoridades de pesquisa das instituições participantes, orientadas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
A idade mediana do pesquisador brasileiro é de 42,8 anos, o que confirma a impressão de que a comunidade científica no Brasil está mais envelhecida do que seria recomendado. Uma evidência de que essas idades são altas aparece quando se verifica que a competição para se tornar líder de um grupo ocorre até cerca dos 50 anos. A partir daí, as proporções de líderes e não-líderes entre os pesquisadores se mantêm estáveis.
As idades medianas dos pesquisadores variam segundo as grandes áreas do conhecimento. Ciências agrárias (43 anos), biológicas (42), da saúde (43) e exatas e da Terra (42) estão na média. Os pesquisadores da grande área das engenharias são os mais jovens (40 anos). Os das humanidades (que incluem as ciências humanas, as ciências sociais aplicadas e as letras, linguística, artes e literatura) são os mais velhos (45 anos).
As razões para esse perfil etário algo avançado são conhecidas e a principal delas se relaciona ao excessivo tempo que o graduado leva para completar sua formação pós-graduada, essencial para o exercício da pesquisa. Esse tempo alargado, por sua vez, decorre de uma dupla característica de nosso projeto de pós-graduação.
A primeira delas, "vício de origem", consiste em considerar que o mestrado é um pré-requisito compulsório do doutorado. Isso não é assim nos EUA, de onde importamos o nosso modelo em meados da década de 60, nem nos demais países que, com variações, vêm adotando o mesmo modelo, tornado globalmente hegemônico.
Na verdade, em todos esses países o mestrado é, na maioria das vezes, uma especialização com caráter terminal que visa melhorar a qualidade da mão-de-obra para o mercado das profissões que não são acadêmicas. A formação de pesquisadores e acadêmicos em geral fica por conta exclusivamente do doutorado. Pois no Brasil não é assim e, na imensa maioria dos casos, os cursos só admitem no doutorado quem tenha o título de mestre. E, é bom que se diga, por decisão dos seus colegiados.
A outra característica é que o tempo gasto para completar o mestrado e o doutorado é, também, excessivo. As estimativas mais atuais da Capes são de que, para o mestrado, se gasta em média de três a quatro anos. No doutorado são gastos de cinco a seis anos. São, ao todo, de oito a dez anos de treinamento pós-graduado formal, o que é exagerado.
Finalmente, é necessário fazer a crítica das tendências centrais. No reino da pesquisa científica e tecnológica, o talento individual é o elemento condutor e, na maioria das vezes, o processo de trabalho se organiza em pequenos grupos. Nesse nível, as medianas pouco têm a dizer e haverá jovens e velhos críticos e criativos. Todos nós.

Nota da Redação1.Em um fórum sobre a política oficial de bolsas de pesquisa, o físico José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp, observou que os pesquisadores brasileiros demoram para se formar e afirmou: "Pesquisador velho é pesquisador morto", o que provocou violenta discussão e o fim antecipado do debate.

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